O
pedido da Rainha
«(…) O grupo português trotava calmamente.
O Relâmpago estava esgotado e uma montada levava dois cavaleiros. Quando
contornaram nova curva, ao fundo surgiu a vila. Olivença, guarda avançada de
Portugal além-Guadiana, ostentava poder e riqueza. A vila integrara definitivamente
os domínios da coroa portuguesa há duzentos anos, no tempo d’el-rei Dinis I.
pelo tratado de Alcanizes, a fronteira fora definida para sempre e Olivença
ficara do lado certo. O rei lavrador povoara-a e defendera-a, mas a
cerca velha cedo se mostrou insuficiente para proteger todos os oliventinos,
pois a vila cresceu depressa, até que el-rei Fernando I ordenara a construção
de novas muralhas.
Os cavaleiros aproximavam-se, e aos
seus olhos destacava-se a torre de menagem altaneira, reconstruída no tempo de
João II. No alto, flutuava a bandeira branca com a esfera armilar e uma outra
com o escudo de Portugal. Já havia novos bairros desprotegidos, pelo que a
cerca fernandina carecia de acrescentamento. Quando se acercaram, já
distinguiam o fosso que contornava a muralha e ouviram o relógio dando as
horas. Fora colocado numa esquina da cerca velha, em torre reforçada para o
efeito. Ao longe, nas colinas sobranceiras à vila, erguiam-se duas atalaias que
vigiavam Castela; uma espreitava para as bandas de Alconchel e a outra na
direcção de Badajoz e de Jerez de los Caballeros.
Agora sinto-me mesmo de volta a
Portugal, suspirou Francisco. Ainda bem que Vossa Senhoria andava por perto. Estava
preocupado com o teu atraso e nossas atalaias avisaram que tinham avistado um
cavaleiro a ser perseguido, vindo nesta direcção, e saí logo com estes homens. Estava
certo que irias entrar por aquele vau, e ao deixar os castelhanos entrar em
nosso reino, ficámos em vantagem. Além disso, eles estavam pior armados do que
nós. O grupo entrou pela Porta de São Sebastião, junto à torre de menagem, e
foi saudado pela soldadesca que aguardava notícias. Francisco, vem comigo,
ordenou Vasco. Pouco depois estavam na casa do Melo, que se situava na parte
velha da vila, próxima da Porta de Alconchel. O que tens para mim? O correio
pousou o bornal, despiu as calças e tirou um envelope que estava num bolso por
dentro da perna; com uma faca descoseu sua capa e tirou um macinho com vários
papéis em letra miudinha; finalmente, acionou o mecanismo que abria a sola se
sua bota e retirou saí uma nova missiva. Parece que foste reconhecido,
Francisco. O meu contacto em Mérida estava nervoso. Fostes a Mérida? Não vieste
directo de Cáceres? Não, senhor. O nosso amigo de Cáceres disse-me que havia
novidades para mim em Mérida. Então o nosso agente de Cáceres bandeou-se e tu
estás mesmo identificado. Qual é a carta que te deram em Mérida? É essa com o
brasão. Vasco deu um estalo com a língua, ao ver o símbolo dos Pachecos, e sua
perna direita escoiceou. Foi uma armadilha para se certificarem que eras um dos
nossos correios.
O que
diz a carta? Não te interessa, tolo. Temos que te mudar. Dentro de duas semanas
partes comigo para a Flandres. Lá faz frio. E aqui cortam-te o pescoço num
instante. E Vossa Senhoria não poderia aceitar que eu deixasse este serviço? Se
assim o queres, serei eu próprio a cortar-te o pescoço, rosnou Vasco Melo, com
o nariz mexendo-se desenfreadamente». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de
Leitores, Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.
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