Março
de 1824. Cambridge, Inglaterra
«Honoria Smythe-Smith estava desesperada. Desesperada por
um dia ensolarado, desesperada por um marido, desesperada pensou, com um
suspiro exausto, enquanto olhava as suas sapatilhas arruinadas, por um novo par
de sapatos. Sentou pesadamente no banco de pedra fora da Loja de Tabaco para
cavalheiros exigentes do Senhor Hilleford e recostou-se contra a parede atrás
dela, desesperadamente. Aí estava essa
horrível palavra de novo, tentando apertar o seu corpo inteiro sob a marquise. Estava
chovendo a cântaros. Não estava chuviscando, não somente chovia, mas sim chovia
gatos, cães, ovelhas e cavalos. Nesse ritmo, não ficaria surpresa se um
elefante caísse do céu. E fedia. Honoria pensara que os porcos produziam o
aroma que menos gostava, mas não, o mofo era pior, e a Loja de Tabaco para
Cavalheiros do Senhor Hilleford, a quem não importava se os seus dentes se
tornassem amarelos, tinha uma substância branca suspeita arrastando-se pela sua
parede exterior que cheirava como a morte.
Realmente, ela podia estar em pior situação? Bem, sim. Sim,
sim podia. Porque estava é claro sozinha, a chuva levou trinta segundos para ir
de um ligeiro gotejar a um aguaceiro. O resto da sua companhia de compras havia
cruzado a rua, felizmente observando o quente e acolhedor Império Extravagante
de Fitas e Bagatelas da Senhorita Pilaster, que além de ter todo o tipo de diversão e mercadoria com folhetos,
cheirava muitíssimo melhor que o estabelecimento do Senhor Hilleford. A
Senhorita Pilaster vendia perfumes. A Senhorita Pilaster vendia pétalas de rosa
secas e pequenas velas que cheiravam a baunilha. O Senhor Hilleford colhia
mofo. Honoria suspirou. Assim era a sua vida. Permanecera muito tempo na janela
de uma livraria, assegurando para as suas amigas que as encontraria na loja da
Senhorita Pilaster num ou dois minutos. Dois minutos que se converteram em
cinco e, depois, justamente quando estava preparando-se para atravessar a rua,
o céu abriu-se e Honoria não teve mais opção, que buscar refúgio sob a única
marquise aberta no lado sul da Cambridge High Street.
Observou aflita a chuva, vendo-a golpear a rua. As gotas
estavam golpeando os paralelepípedos com uma força tremenda, salpicando e
orvalhando de volta ao ar como pequenas explosões. O céu estava mais escuro a
cada segundo, e se Honoria fosse qualquer juiz do clima inglês, o vento iria
virar a qualquer momento, dando completa inutilidade ao seu patético lugar sob
a marquise do Senhor Hilleford. A sua boca deslizou num franzido abatido, e
entrecerrou os olhos para o céu. Os seus pés estavam húmidos. Sentia frio.
E nunca antes, na sua vida inteira, deixara os limites da
Inglaterra, o que significava que era mais que boa julgando o clima inglês, e
em aproximadamente três minutos ia ser inclusive mais infeliz do que estava
agora. O que realmente não acreditara ser possível. Honoria? Piscou, levando o
olhar do céu para a carruagem que estacionou na frente dela. Honoria? Ela
conhecia essa voz. Marcus?
Oh, santo céu, a sua miséria só parecia aumentar. Marcus Holroyd,
o conde de Chatteris, feliz e seco na sua luxuosa carruagem. Honoria sentiu a sua
mandíbula afrouxar, embora realmente, não soubesse por que deveria estar
surpresa. Marcus vivia em Cambridgeshire, não muito longe da cidade. Além
disso, se alguém iria vê-la enquanto parecia como uma desalinhada e molhada
criatura da variedade roedora, seria ele. Deus Santo, Honoria, disse, franzindo
o cenho para ela naquela maneira desdenhosa dele, deve estar congelando. Aprumou-se
para escolher os ombros. Sim está um pouco fresco. O que está fazendo aqui? Arruinando
sapatos. O quê? Compras, disse ela, apontando para outro lado da rua, com
amigas. E primas. Não que as suas primas não fossem também amigas. Mas tinha
tantas primas que quase pareciam uma categoria em si mesma. A porta abriu-se
mais. Entre, disse ele». In Julia Quinn, Um
Pedacinho de Céu, Edições ASA, 2017, ISBN 978-989—233-846-0.
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