As
Lágrimas do Papa
«As
chamas das tochas crepitavam ao vento. A espessa chuva fria já anunciava a
neve. Dois homens e duas mulheres carregavam um corpo envolvido num sudário
branco, seguidos pelos vultos de uma procissão, recolhidos e silenciosos. O
cortejo avançava por uma floresta de carvalhos. Ao gesto de um homem muito
velho, que ia à frente, todos pararam. Os quatro que levavam o cadáver depuseram-no
no solo argiloso. Era uma terra de marga pastosa que colava nas solas das sandálias.
Uma terra rica e perfumada. O ancião se posicionou junto à cabeça do morto, os
pés formando um esquadro, quase tocando o sudário. Imediatamente, os seus
companheiros espetaram as tochas na terra e, dando-se as mãos, formaram um círculo
em torno do corpo estendido. Todos estavam unidos. Todos se davam as mãos com
força. O ancião, erguendo com os braços tal cadeia humana, disse as seguintes
palavras: já que está na hora e temos a idade, vamos abrir os trabalhos da
nossa Loja. Homens e mulheres ergueram e abaixaram a corrente de braços por três
vezes, depois a romperam. E o ancião falou.
A chuva havia aumentado de
intensidade, empurrada pelo vento sobre a clareira, encharcando os casacos de
algodão e as túnicas de linho. A voz do orador era fraca e rouca por ter sido
muito usada, por ter cantado em excesso o amor e a fraternidade através de mil
regiões e mil países. Era uma voz cansada e desencantada, uma voz triste.
Infinitamente triste. Quando o ancião terminou o discurso, três homens deram
alguns passos e se baixaram ao mesmo tempo. Levantaram uma argola de bronze e,
num impulso sonoro, arrancaram do solo uma laje de pedra, abrindo um túmulo vazio.
Tornaram a pegar o corpo do morto. O ancião se aproximou da cova onde agora
repousava o amigo. Seu mestre. Enfiando a mão sob o casaco, retirou um objecto
e o apertou contra si por um instante. Inclinando-se lentamente, ajoelhou-se
com dificuldade à beira do túmulo escuro e chorou.
Chorou por longo tempo, antes de
depositar o objecto no peito do morto. Erguendo-se, deu ordem para colocarem a
laje no lugar e desprenderem a argola de bronze. Em seguida, disse: que teu Segredo
permaneça contigo, Mestre... Malditos sejam todos aqueles que tentarem roubar a
tua Palavra para deturpá-la! Bendito sejas, meu irmão, pelo ensinamento que nos
deixaste como herança. A argola foi-lhe entregue. Apesar do peso, ele quis
continuar a segurá-la, como uma relíquia.
Os homens e as mulheres retomaram
o caminho e se embrenharam novamente na espessa floresta, sob a luz das tochas
com chamas inclinadas. O ancião ia na frente. Um rapaz muito jovem, com o rosto
coberto de lágrimas e de chuva, foi ao encontro dele. Não encerramos os
trabalhos, João... Por quê?, perguntou ao mais velho. O ancião respondeu: eles
jamais serão encerrados, meu irmão... Jamais! A Nossa Loja se abriu para
sempre, fora dos muros do seu templo, fora do tempo. O nosso trabalho apenas
iniciou. Para toda a eternidade... O que faremos sem Ele? O ancião
sorriu e respondeu: nós O buscaremos. E esse será o nosso trabalho. Por todos
os séculos dos séculos, nós o buscaremos, irmão...
Didier Mosèle olhava
a chuva cair no bulevar exterior. Ele colou a testa no vidro frio da janela e
ficou assim por alguns instantes, pensativo. Depois, saiu da janela, voltou
para a mesa do escritório coberta de livros e documentos em desordem, procurou
o maço de cigarros, pegou um, acendeu e aspirou uma puxada de queimar os pulmões.
Didier Mosèle estava próximo dos quarenta anos. Tinha cabelos louros e compridos
penteados para trás, queixo pronunciado com uma covinha no centro, maçãs do
rosto altas e ligeiramente salientes, olhos de um azul-claro quase acinzentado.
Alto, de ombros largos, vestia jeans e camisa polo pretos. Havia mais de uma
hora que passava e repassava a fita cassete no gravador de trabalho. Havia mais
de uma hora que fumava um cigarro atrás do outro, sentava-se, levantava-se, ia
até a janela, voltava, desarrumava os dossier e pisava nos livros espalhados
pelo chão. E, mais uma vez, ele apertou o replay do aparelho. A voz foi ouvida
no escritório. Uma voz apressada, nervosa, entrecortada por uma respiração dolorosa:
Meu Caríssimo Didier, quando escutar esta mensagem, sem dúvida não estarei mais
neste mundo. Os meus perseguidores, em breve, me descobrirão, e me resta pouco
tempo para relatar os últimos acontecimentos que me levaram às portas da
morte... Os assassinos estão na minha peugada há muito tempo... Presumo que tenha
recebido a minha última carta. Ela não era muito enigmática? Conseguiu
compreendê-la? Tente lembrar-se... Antes de sair da sua casa, eu disse que
levaria cinco envelopes com o seu endereço. Cinco! Para nos lembrar da época
em que havíamos sido elevados ao grau de companheiro, na
nossa Loja-Mãe Eliah... Cinco! O número simbólico desse grau, durante o qual o maçom
deve viajar... Foi
naquela noite, depois da nossa Sessão, que conversamos longamente... Queríamos
nos lançar numa incrível busca... Na ocasião, parecia uma aposta de
intelectuais parisienses desejosos de oferecer a si mesmos um último sopro de
juventude. Ignorávamos que estávamos seguindo os passos de gigantes!» In Didier Convard, O
Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN
978-852-861-550-0.
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