quinta-feira, 28 de junho de 2018

A Carreira da Índia. Rui L. Godinho. «A análise do movimento da Carreira da Índia tem sido um dos pontos centrais e mais polémicos sobre o qual tem recaído muita da historiografia mais especializada»

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A Carreira na historiografia moderna
«A Carreira da Índia tem sido um dos assuntos mais focados e analisados pela historiografia nacional e estrangeira no que toca à análise da história da marinha portuguesa. Enquanto fenómeno transversal no campo temporal, económico político, militar, social e até geográfico, a Carreira viu recair sobre si uma natural atenção que lhe permitiu chegar aos dias de hoje com um conjunto de estudos mais do que razoável sobre a sua realidade. Apesar disso é ainda desigual o conhecimento que temos sobre diversos desses aspectos, com temas bastantes perscrutados, enquanto outros estão ainda no início do seu desbravamento. Sem pretender fazer uma listagem (ainda que ligeira) da historiografia ligada à Carreira, pensamos ser essencial destacar alguns autores e analisar a obra de outros. Um ponto que parece estar bem assente e que, apesar da destruição dos registos da Casa da Índia no terramoto de 1755, temos ainda um vasto leque de fundos documentais e áreas de investigação que nos permitem fazer um rastreio, relativamente apurado, dos principais temas da Carreira da Índia. Os investigadores neste campo podem-se queixar de algumas coisas que não da falta de material (apesar do desaparecimento da maior parte dos registos oficiais), mas talvez o possam fazer em relação à sua dispersão. Se esta profusão de elementos pode ser uma desvantagem, ela é também razão suficiente para que sobre este assunto nos deixemos de lamentar pelo dito terramoto ou que sobre essa capa se façam análises recorrendo a partes ínfimas da documentação.
Um dos primeiros trabalhos a pretender analisar especificamente a Carreira da Índia (embora tenha horizontes mais amplos) deve-se a Inácio Costa Quintela que apesar da sua idade continua a ser um repositório importante de informações e até de uma análise bastante esclarecida, tendo em conta o ano de edição e as metodologias então aplicadas. Este foi um trabalho pioneiro que, apesar de alguns erros e limitações documentais e metodológicas, cumpre bastante bem o seu propósito. Se quisermos ater-nos a visões globais da Carreira da Índia temos de recorrer a autores mais recentes. Neste grupo podem-se incluir os trabalhos de Charles Ralph Boxer, Vitorino Magalhães Godinho ou os de António Lopes, Eduardo Frutuoso e Paulo Guinote. De entre estes estudos, os de Vitorino Magalhães Godinho revelam uma evolução muito interessante que lhes concede uma complementaridade e um carácter fundamental. O aspecto mais controverso é a sua atitude hipercrítica com as relações das armadas, enquanto que o maior destaque vai para o tratamento estatístico e a análise dos diversos factores que o autor faz a partir dos números apurados.
A análise do movimento da Carreira da Índia tem sido um dos pontos centrais e mais polémicos sobre o qual tem recaído muita da historiografia mais especializada. Desde os já citados Anaes da Marinha Portugueza, que utilizam ainda e apenas uma simples descrição das armadas, até aos mais recentes estudos de António Lopes, Eduardo Frutuoso e Paulo Guinote, muitos têm sido os que tentaram e enveredaram por diversos caminhos no sentido de apurar as linhas de rumo do movimento da Carreira. Quirino da Fonseca seguiu uma das vias mais originais, fazendo um levantamento dos navios portugueses, com especial destaque para os que serviram na Carreira. Talvez por ter sido pioneiro ou por lhe faltar muito do material documental hoje conhecido, esse estudo está completamente ultrapassado. Os erros, as falhas e até as gralhas impedem que constitua, como seria de esperar, uma boa base de partida. Quem o fizer corre o sério risco de se perder nessa teia de confusões e enganos em que o próprio autor parece ter sido enredado. Seria, aliás, um exercício interessante, embora moroso e difícil, fazer um levantamento e posterior correcção de tais erros. Um outro trabalho que tentou fazer a análise do movimento da Carreira da Índia foi levado a cabo por João Vidago. Também neste caso o resultado não foi o melhor, com o autor a não justificar certas escolhas e a não definir de forma precisa quais os critérios na selecção da informação. A base documental apresentada é escassa e insuficiente para aquilo que o próprio depois apresenta, nomeadamente ao não revelar as diferenças na informação, resolvendo-as sem as explicar, quando se sabe que muitas delas são uma incógnita. Ainda mais incongruente é a opinião que o mesmo revela num estudo posterior sobre as relações das armadas, quando antes as utilizou (parte delas, não justificando também a selecção feita) de forma a dar corpo ao levantamento e análise do movimento da Carreira da Índia». In Rui Landeiro Godinho, Aspectos e Problemas da Torna-Viagem (1550-1649), Fundação Oriente, Orientalia, 2005, ISBN 972-785-058-8.

Cortesia da FOriente/JDACT