segunda-feira, 4 de junho de 2018

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal. O Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Alonso Palencia narra no primeiro livro da sua “Gesta Hispaniensia”: segundo o acordado, os navios que conduziam Leonor, os embaixadores da Alemanha…»

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Lições de matrimónio imperial
«(…) Segundo uma lenda, naquele dia, encontrava-se no paço de São Bartolomeu um jovem chamado João Silva, irmão de Beatriz Silva, donzela da rainha consorte de Castela, o qual se apaixonara pela infanta Leonor. No entanto, por causa da partida desta, o jovem acabaria por entrar para um mosteiro, onde iniciaria uma carreira religiosa que o levaria até aos altares, nos quais seria venerado como frei Amadeu. Outra versão, muito posterior, narra que foi Duarte Meneses, capitão de Ceuta e tio do anterior João Silva, quem se tinha apaixonado por Joana, algo ainda mais improvável. Para além da enorme diferença de idade que o separava dela, é quase certo que, mais do que nos cortejos masculinos, a infanta estivesse sobretudo interessada em decifrar o conteúdo e as implicações do discurso, provavelmente em latim, que a 9 de Agosto de 1451 ouviria proferir na Sé de Lisboa por um capelão de Frederico III, depois de ter dado um beijo a Leonor e entregado um anel da parte do noivo. Estas foram as palavras a ela dirigidas: se consentes, se o César te agrada, se é de tua vontade contrair hoje matrimónio, se desejas receber o homem e unir-te a ele em legítimo leito, neste anel que te entrego te ofereço perpetuamente o meu senhor e o seu corpo, pois tenho esse poder, e se te recebo, a ele te ligo pelo laço indissolúvel do matrimónio.
Embora as crónicas portuguesas não mencionem este aspecto, é muito provável que, naquele dia, também se encontrasse na catedral de Lisboa o conde de Benavente, que o rei Afonso V acabara de nomear membro do Conselho Régio. Uma excepcional honra para um estrangeiro, mesmo sendo descendente de portugueses, e uma nomeação que seguramente estava estreitamente relacionada com o futuro casamento de Joana com Enrique, mas que não seria documentada porque o príncipe das Astúrias tinha antes de se divorciar de Blanca Navarra. E, sobretudo, porque o rei de Castela não estava de acordo em que o seu filho voltasse a casar.
É muito provável que, algum tempo depois de concluídas as cerimónias de despedida da infanta Leonor, em Novembro de 1451, o rei de Portugal tivesse tomado a decisão de separar juridicamente a administração da casa das suas outras duas irmãs, constituindo uma administração específica para cada uma delas. Assim, em finais de Janeiro de 1452, quando o rei concedeu uma mercê por matrimónio a uma filha de Maria Nogueira, a beneficiada era classificada no documento como donzela da casa das infantas, e dias mais tarde, quando deu um dote pelo mesmo motivo a uma certa Isabel Vasques, a jovem era mencionada como donzela da casa da infanta dona Catarina.
É possível que a casa de Joana tenha sido constituída no seu décimo terceiro aniversário, o limite máximo a partir do qual uma mulher era considerada maior de idade. A partir de então, teria sob a sua dependência um conspícuo número de servidores, aos quais podia dar ordens directamente, sem passar, pelo menos em princípio, por Rui Galvão, administrador das suas rendas até então. Dona Joana podia, desse modo, dispor livremente dos serviços das suas aias e donzelas; assim como do administrador, do almoxarife, do reposteiro, do porteiro-mor, do camareiro, do cozinheiro-mor, do cozinheiro, do galinheiro, do penteador e do sapateiro. Elenco ao qual caberia agregar, além disso, o capelão-mor, os capelães, o físico e o alfaiate.
É muito provável que a esse reconhecimento, devido à idade, se tenha seguido outro directamente relacionado com a pessoa de Joana: o de ser escolhida pelo rei para madrinha da filha que a sua mulher, a rainha Isabel de Lencastre, dera à luz em Lisboa, a 14 de Fevereiro de 1452. Uma criança considerada princesa herdeira desde o nascimento e que na pia baptismal recebeu o nome de Joana, talvez em honra da tia, conhecida no futuro como Santa Joana.
Alonso Palencia narra no primeiro livro da sua Gesta Hispaniensia: segundo o acordado, os navios que conduziam Leonor, os embaixadores da Alemanha e o resto da nobreza portuguesa chegaram ao porto de Pisa com zéfiros favoráveis; e de Florença, onde morava então o imperador, chegou o seu irmão Albrecht, egrégio duque da Áustria, para escoltar a sua cunhada. Quis a Fortuna que, ao chegar Albrecht de madrugada, se lhe tenha oferecido motivo de suspeita. Descobriu uma escada apoiada numa janela da pousada da futura [sic] imperatriz, perto do seu aposento privado, e embora se tenha averiguado que o crime era devido à luxúria de uma portuguesa promíscua impudicae Lusitanae libidini, não deixou de produzir tristes consequências para a imperatriz; por ordem do imperador foi privada da companhia de todas as suas damas, tanto as nobres como inclusivamente as vilãs, à excepção de María Bobadilla, que não era portuguesa». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da EdosLivros/JDACT