jdact
Lições
de matrimónio imperial
«(…) Segundo uma lenda, naquele dia,
encontrava-se no paço de São Bartolomeu um jovem chamado João Silva, irmão de Beatriz
Silva, donzela da rainha consorte de Castela, o qual se apaixonara pela infanta
Leonor. No entanto, por causa da partida desta, o jovem acabaria por entrar
para um mosteiro, onde iniciaria uma carreira religiosa que o levaria até aos
altares, nos quais seria venerado como frei Amadeu. Outra versão, muito posterior,
narra que foi Duarte Meneses, capitão de Ceuta e tio do anterior João Silva,
quem se tinha apaixonado por Joana, algo ainda mais improvável. Para além da enorme
diferença de idade que o separava dela, é quase certo que, mais do que nos cortejos
masculinos, a infanta estivesse sobretudo interessada em decifrar o conteúdo e as
implicações do discurso, provavelmente em latim, que a 9 de Agosto de 1451 ouviria
proferir na Sé de Lisboa por um capelão de Frederico III, depois de ter dado um
beijo a Leonor e entregado um anel da parte do noivo. Estas foram as palavras a
ela dirigidas: se consentes, se o César te agrada, se é de tua vontade contrair
hoje matrimónio, se desejas receber o homem e unir-te a ele em legítimo leito, neste
anel que te entrego te ofereço perpetuamente o meu senhor e o seu corpo, pois tenho
esse poder, e se te recebo, a ele te ligo pelo laço indissolúvel do matrimónio.
Embora as crónicas portuguesas não
mencionem este aspecto, é muito provável que, naquele dia, também se encontrasse
na catedral de Lisboa o conde de Benavente, que o rei Afonso V acabara de nomear
membro do Conselho Régio. Uma excepcional honra para um estrangeiro, mesmo
sendo descendente de portugueses, e uma nomeação que seguramente estava estreitamente
relacionada com o futuro casamento de Joana com Enrique, mas que não seria
documentada porque o príncipe das Astúrias tinha antes de se divorciar de Blanca
Navarra. E, sobretudo, porque o rei de Castela não estava de acordo em que o seu
filho voltasse a casar.
É muito provável que, algum tempo
depois de concluídas as cerimónias de despedida da infanta Leonor, em Novembro de
1451, o rei de Portugal tivesse tomado a decisão de separar juridicamente a administração
da casa das suas outras duas irmãs, constituindo uma administração específica para
cada uma delas. Assim, em finais de Janeiro de 1452, quando o rei concedeu uma mercê
por matrimónio a uma filha de Maria Nogueira, a beneficiada era classificada no
documento como donzela da casa das infantas, e dias mais tarde, quando deu
um dote pelo mesmo motivo a uma certa Isabel Vasques, a jovem era mencionada como
donzela da casa da infanta dona Catarina.
É possível que a casa de Joana
tenha sido constituída no seu décimo terceiro aniversário, o limite máximo a
partir do qual uma mulher era considerada maior de idade. A partir de então, teria
sob a sua dependência um conspícuo número de servidores, aos quais podia dar ordens
directamente, sem passar, pelo menos em princípio, por Rui Galvão, administrador
das suas rendas até então. Dona Joana podia, desse modo, dispor livremente dos serviços
das suas aias e donzelas; assim como do administrador, do almoxarife, do reposteiro,
do porteiro-mor, do camareiro, do cozinheiro-mor, do cozinheiro, do galinheiro,
do penteador e do sapateiro. Elenco ao qual caberia agregar, além disso, o
capelão-mor, os capelães, o físico e o alfaiate.
É muito provável que a esse reconhecimento,
devido à idade, se tenha seguido outro directamente relacionado com a pessoa de
Joana: o de ser escolhida pelo rei para madrinha da filha que a sua mulher, a rainha
Isabel de Lencastre, dera à luz em Lisboa, a 14 de Fevereiro de 1452. Uma
criança considerada princesa herdeira desde o nascimento e que na pia baptismal
recebeu o nome de Joana, talvez em honra da tia, conhecida no futuro como Santa
Joana.
Alonso
Palencia narra no primeiro livro da sua Gesta Hispaniensia: segundo o
acordado, os navios que conduziam Leonor, os embaixadores da Alemanha e o resto
da nobreza portuguesa chegaram ao porto de Pisa com zéfiros favoráveis; e de Florença,
onde morava então o imperador, chegou o seu irmão Albrecht, egrégio duque da Áustria,
para escoltar a sua cunhada. Quis a Fortuna que, ao chegar Albrecht de madrugada,
se lhe tenha oferecido motivo de suspeita. Descobriu uma escada apoiada numa janela
da pousada da futura [sic] imperatriz, perto do seu aposento privado, e embora se
tenha averiguado que o crime era devido à luxúria de uma portuguesa promíscua impudicae
Lusitanae libidini, não deixou de produzir tristes consequências para a imperatriz;
por ordem do imperador foi privada da companhia de todas as suas damas, tanto as
nobres como inclusivamente as vilãs, à excepção de María Bobadilla, que não era
portuguesa». In A Rainha
Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma
difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN
978-989-626-405-5.
Cortesia da
EdosLivros/JDACT