quinta-feira, 21 de junho de 2018

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «… a querida do harém onde me ensinam a brincar, a dançar e a cantar, e a favorita da cozinha, onde me deixam vê-los a preparar os bolos e pratos doces com mel e amêndoas da Arábia»

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«(…) Em seguida, voltou-se para ver os empregados domésticos do palácio aproximando-se lentamente, de cabeça inclinada. Eram liderados pelo grão-vizir, cuja altura era enfatizada pelas roupas fluidas, os olhos negros penetrantes encontraram os seus observando o rei Fernando ao seu lado, e a família real atrás: o príncipe e as quatro princesas. O rei e o príncipe estavam vestidos ao estilo faustoso dos sultões, vestindo túnicas ricamente bordadas por cima das calças, a rainha e as princesas usavam as túnicas kamiz tradicionais, fabricadas com as melhores sedas, por cima de calças de linho brancas, com véus dependurados na cabeça, presos atrás por filetes de ouro. Vossa Alteza Real, é minha honra e dever dar-vos as boas-vindas ao Palácio de Alhambra, afirmou o grão-vizir, como se fosse a coisa mais natural do mundo entregar o mais belo palácio da Cristandade a invasores armados. A rainha e o marido trocaram um breve olhar. Podeis levar-nos para dentro, afirmou. O grão-vizir fez uma vénia e indicou o caminho. A rainha olhou para trás, para os seus filhos. Venham, meninos, disse e foi à sua frente, passando pelos jardins que rodeavam o palácio, descendo alguns degraus e passando pela discreta porta de entrada. Esta é a entrada principal?, hesitava em frente da pequena porta, aberta numa parede disfarçada. O homem fez uma vénia. É sim, Vossa Alteza. Isabel não disse nada, mas Catarina viu-a levantar as sobrancelhas como se não gostasse muito da ideia, e todos entraram.
Mas a pequena porta de entrada é como um buraco de fechadura que dá para uma arca do tesouro composta por caixas, uma abrindo-se a partir da outra. O homem conduz-nos através delas, como um escravo abrindo portas para um tesouro. Os seus nomes são um poema: a Sala Dourada, o Pátio dos Mirtilos, a Sala dos Embaixadores, o Pátio dos Leões ou a Sala das Duas Irmãs. Levaremos semanas a encontrar o caminho de uma sala decorada com ladrilhos sofisticados para outra. Demoraremos meses a deixar de nos maravilhar com o prazer do som da água a correr pelos regos de mármore nos quartos, fluindo para uma fonte de mármore que está sempre a transbordar, com a mais límpida e fresca água das montanhas. E nunca me cansarei de olhar através do rendilhado de estuque branco para a planície lá longe, as montanhas, o céu azul e as colinas douradas. Cada janela é como uma moldura de um quadro, foram concebidas para nos fazer parar, observar e maravilharmo-nos. Todas as molduras das janelas são como bordados de tenda branca, o estuque é tão fino, tão delicado, como trabalho de açúcar feito por pasteleiros, não se assemelha a nada que seja real. Passamos ao harém por ser uma das salas mais cómodas e convenientes para mim e as minhas irmãs, e os empregados do harém acendem as brasas nas noites frias, e espalham as ervas de cheiros, orno se fôssemos as sultanas que viveram esquecidas por trás dos biombos, durante tanto tempo. Sempre usámos roupas mouras em casa e, por vezes, em grandes ocasiões de Estado, por isso, ainda lá se ouve um murmúriode sedas e o bater dos chinelos no chão de mármore, como se nada se tivesse alterado. Agora, estudamos onde as escravas liam, passeamos nos jardins que foram plantados para deleitar as favoritas do sultão. Comemos os seus frutos, adoramos o sabor dos seus gelados, prendemos as suas flores em guirlandas para enfeitar as nossas cabeças, e corremos pelas suas alamedas onde o forte perfume a rosas e a madressilvas é doce pela frescura da manhã.
Banhamo-nos no hammam, permanecendo imóveis como estátuas, enquanto os empregados nos ensaboam todo o corpo com um sabão rico, que cheira a flores. Depois, vertem jarros dourados de água quente, um a seguir ao outro, molhando-nos dos pés à cabeça. Somos hidratadas com óleo de rosas, embrulhadas em finos lençóis e deitamo-nos, semiembriagadas de tanto prazer sensual, na mesa morna de mármore que domina a sala, sob o tecto dourado cujas aberturas, em forma de estrela, deixam passar os raios estonteantes de sol para a sombreada paz do lugar. Uma rapariga arranja-nos as unheis dos pés, enquanto outra trabalha as nossas mãos, limando-nos as unhas e pintando padrões delicados de henna. Deixamos a mulher mais velha acertar-nos as sobrancelhas e pintar-nos as pálpebras. Somos servidas como se fôssemos sultanas, com todas as riquezas da Espanha e todos os luxos do Oriente, e rendemo-nos completamente ao prazer do palácio. Cativa-nos, somos rapidamente submetidos; os denominados vitoriosos. Mesmo Isabel, que chora a morte do marido, recomecei a sorrir. Até Joana, normalmente tão mal-humorada e rabugenta, está em paz. E eu torno-me a mascote da corte, a preferida dos jardineiros, que me deixam apanhar os pêssegos das árvores, a querida do harém onde me ensinam a brincar, a dançar e a cantar, e a favorita da cozinha, onde me deixam vê-los a preparar os bolos e pratos doces com mel e amêndoas da Arábia». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.

Cortesia CivilizaçãoE/JDACT