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O meu pai reúne-se com emissários estrangeiros na
Sala dos Embaixadores, leva-os para a sala dos banhos para manterem
conversações, como qualquer sultão ocioso. Aminha mãe senta-se de pernas
cruzadas no trono dos Nasrid que reinaram aqui por várias gerações, os seus pés
despidos, metidos em chinelos de pele macia, o tecido elo seu kamiz caindo em seu redor. Ouve os emissários do próprio Papa, numa sala de audiências
cujas paredes esteio revestidas de ladrilhos coloridos e onde oscila uma
luz pagã. Para ela, é como estar em casa, pois foi criada o Alcazar de Sevilha,
outro palácio mouro. Passeamos nos seus jardins, banhamo-nos no seu hammam, calçamos
os seus chinelos de pele macia perfumados e vivemos uma vida mais refinada e
luxuosa do que poderiam sonhar em Paris, Londres ou Roma. Vivemos
graciosamente. Vivemos, tal como sempre aspirámos virer, como mouros. Os
nossos compatriotas cristãos criam cabras nas montanhas, rezam à Nossa
Senhora em monumentos à beira
da estrada, vivem aterrorizados pelas superstições e cheios de doenças, vivem
no meio da sujidade e morrem jovens. Nós fomos ensinados pelos professores
muçulmanos, examinados pelos seus médicos, estudamos as estrelas no céu, a que
eles deram nome, contamos pelos seus números que começam no zero mágico,
comemos os seus frutos doces e deleitamo-nos nas águas que correm pelos seus aquedutos.
A sua arquitectura agrada-nos, a
cada virar de esquina sabemos que riremos no meio da beleza. Agora, o seu poder
protege-nos; o Alcazaba é, de facto, invulnerável a ataques, aprendemos a sua
poesia, rimo-nos dos seus jogos, deliciamo-nos nos seus jardins, com os seus
frutos, tomamos banho nas águas que fizeram fluir. Somos os vitoriosos, mas
eles ensinaram-nos conto reinar. Por vezes, penso que nós é que somos os
bárbaros, como os que vieram depois dos Romanos ou dos Gregos, que podiam
invadir os palácios e capturar os aquedutos e, depois, sentar-se como macacos
num trono, brincando com a beleza sem a compreender.
Pelo menos, não mudámos de fé. Todos os
empregados do palácio têm de respeitar os credos da Única Igreja Verdadeira. As
cornetas da mesquita foram silenciadas, não haverá mais chamamentos para as
orações aos ouvidos da minha mãe. E se alguém discordar, pode partir para a
África de imediato, converter-se de imediato, ou encarar as fogueiras da
Inquisição (maldita). Não nos
deixamos amolecer com os espólios da guerra, nunca nos esquecemos de que somos
os vitoriosos e de que conquistámos a nossa vitória, pela força das armas e pela
vontade de
Deus. Fizemos uma promessa solene ao pobre rei Boabdil, de que o seu povo, os
Muçulmanos, ficaria tão seguro sob o nosso governo como os cristãos estavam sob
o seu. Prometemos a convivência, um modo de vivermos em conjunto e eles
acreditam que construiremos uma Espanha onde qualquer pessoa, mouro, cristão ou
judeu, possa viver tranquilamente e com amor-próprio, uma vez que todos somos Povos
do Livro. O seu erro foi que pretendiam essas tréguas, e confiaram nelas, e
nós, como se verificou, não». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão,
A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN
978-972-262-455-8.
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