O
pedido da Rainha
«(…) Desta vez podeis brincar. Tenho
muito respeito por vossas barbas brancas, mas fostes vós, dom García, que zombaste
sobre vossa correria. Mas não interessa. Vedes decerto além aquele curso de
água. Aliás passastes por ele. No entusiasmo de vossa caçada imaginária entrastes
nas terras do termo de Olivença, pelo que estais no reino de Portugal, e aqui não
podeis caçar sem autorização de Sua Alteza el-rei Manuel I. Não podeis
prosseguir, mas sois meus convidados para um copo de vinho. Foi a vez de o castelhano
sorrir, enquanto colocava as duas mãos na sela. O nariz de Vasco acelerou ligeiramente.
Quando vos viram, os meus homens comentaram que sois um matador terrível, um
conquistador incorrigível... Manolo não se conteve: rompeste a minha irmã, cabr…
Vasco arregalou um olho e aproximou-se do novo interlocutor. Como se chama a
tua irmã? Hesitante e arrependido, Manolo murmurou: Isabel.
E donde és, caballero? De
Jerez de los Caballeros. Ah! Essa Isabel. Boa moça, bem mais real que o vosso porco
selvagem e bem mais bonita que tu, pedaço de asno. Podeis dizer-lhe que será
sempre bem-vinda em Olivença. Bem que lhe supliquei que viesse comigo. Dom García
interrompeu: chega, señor Vasco. Estamos de facto fora do nosso reino e
de nossa jurisdição. Peço-vos desculpa pelo engano e agradeço o vosso convite
para uma bebida, mas ficará para outra ocasião. Muito gostaria de vos receber. Se
puder irei esta noite, retorquiu dom García com um sorriso. Quando vos
aprouver, meu caro. Por um momento, os dois comandantes olharam-se nos olhos. e
depois Vasco Melo pôs fim à conversa. Começou por virar-se para os seus e de
seguida deu sua despedida. Fernão, um cavalo para o castelhano que foi apeado.
E agora, senhores, ide e atinai com vossa caçada. Estavam os castelhanos a iniciar
seu galope, quando Vasco acrescentou, gritando: e não vos esqueçais que Olivença
é terra de Portugal.
A
tropa castelhana depressa reentrou em seu reino. Gastón, ouvistes a conversa do
capitão com o endemoninhado do português? Sim, Manolo. Estavam a combinar um
encontro. Não sejas idiota, hombre. Aquilo é conversa de oficiais de seu
mester. Cheios de delicadezas quando se encontram à vista de outros, e
matando-se impiedosamente sempre que podem. Então era só conversa! Claro, Manolo.
E não sejas muito coscuvilheiro, pois dom García faz o que quer, mesmo quando
nos parece estranho. O velho não está acima das leis. Cuidado com o que dizes,
desgraçado. Dom García é íntimo da rainha Isabel. Estava a seu lado quando
el-rei Henrique se partiu deste mundo, apoiou-a na guerra contra a Beltraneja.
Foi de grande valia para enfraquecer o partido do rei Afonso de Portugal e continua
a merecer o favor da nossa rainha». In João Paulo Oliveira Costa, Círculo de
Leitores, Temas e Debates, 2012, 978-989-644-184-5.
Cortesia de CL/TDebates/JDACT