O
rei de Jerusalém
«(…) Eles desceram uma escada que
levava a um pátio onde os palafreneiros e jovens das cavalariças cuidavam dos
cavalos. O odor de excrementos e de urina chegou ao coração de Balduíno. Por um
instante, o rei alimentou-se desse cheiro, lembrando-se dos odores da fazenda
por onde gostava de vaguear quando era criança. A sua infância... Ela apenas
lhe aparecia episodicamente, atrofiando-se em recordações esfarrapadas, coberta
de sangue, de gritos e de choro. Coberta pela guerra. O que querias me dizer, sire?
Ah, sim..., continuou o rei. Às vezes, pergunto-me se o segredo que herdei não
é um mito! Os seus clérigos poderiam ter-se enganado, ter cometido um erro de tradução.
Bucelin exaltou-se: não, Balduíno, não! A Igreja, obrigatoriamente, precisa
descobrir o Túmulo e desaparecer com os restos mortais que ali estão. Quereis
que os fundamentos da cristandade sejam reduzidos a pó? Em algum lugar, em
Jerusalém, repousa um cadáver com as marcas da crucificação: os restos de Tomé,
que sofreu o suplício no lugar do irmão Jesus! O jovem rei levou a mão à testa.
Como eu gostaria de nunca ter sido iniciado nesse conhecimento!, lamentou-se. Eu
queria dizer... Sem dúvida são os champanheses que aguardamos que nos levarão
ao túmulo maldito. Por Deus! E como? O núncio apoiou a mão com firmeza no ombro
do soberano e lhe impôs o seu ritmo, conduzindo-o suavemente. Eles atravessaram
o pátio das estrebarias e se dirigiram para o canteiro de obras. Explicarei,
disse Bucelin. Eu pedi para ser informado de todos os factos e movimentos deles
assim que chegarem à cidade. Ah, então é isso! Seriam espiões, não é? Na
verdade, o que teme a nossa Santa Madre Igreja pelo facto de um desconhecido
descobrir o túmulo de Tomé? Não me disse tudo, Monsenhor? Realmente, deveríeis
saber...
Eles atravessaram um jardim
esburacado. Homens transportavam cestos cheios de entulhos; carregavam a carga
presa na ponta de cordas passadas pelos ombros, protegidos por pedaços de
couro. Uma galeria havia sido escavada na base de uma muralha. Haviam escorado
a abertura com uma complexa montagem de vigas e traves que poderia parecer
rudimentar e grosseira à primeira vista. No entanto, prestando um pouco de
atenção, notava-se que os arquitectos haviam realizado uma proeza com uma grande
economia de recursos e conhecimentos empíricos. Um engenheiro e um padre
consultavam as anotações. Bucelin continuou: Tomé teria compartilhado o túmulo
com..., com o irmão Jesus, que teria se escondido dos romanos durante três dias
nas trevas do sepulcro! Cristo teria ficado com o morto?, reagiu prontamente
Balduíno. Isso não muda nada do nosso caso! A não ser que... A não ser que
Cristo tenha deixado um vestígio da sua existência, falou pausadamente o
núncio. Uma coisa que, se fosse descoberta, revelaria uma verdade que poria a
Igreja em perigo. Compreendo: uma prova suplementar que teremos de eliminar dos
olhares dos profanos!
Realmente, proferiu o prelado. Temos
de suprimir tudo! Tudo! E queimar os restos mortais de Tomé. Para o mundo cristão,
Jesus morreu e ressuscitou. Ele passou da sombra para a luz porque era filho de
Deus, nascido de uma Imaculada Conceição. Nada deve ser escrito de maneira
diferente! Balduíno parou. Estava sem fôlego. Esse calor! Essa maldita
fornalha! E os champanheses?, perguntou com voz seca. Qual o papel deles? Bucelin
olhou por cima do ombro. À direita, depois à esquerda. Estavam longe do engenheiro
e do padre que faziam o levantamento das cotas. Portanto, poderia contar o segredo
que o atormentava e torturava: eles dizem-se herdeiros de uma antiga tradição,
legatários do Cristo! Os meus clérigos afirmam que eles estão de posse de
informações que os levariam directamente ao túmulo maldito. O falecido papa
Urbano II, originário de Champagne, havia obtido alguns segredos deles e, ao
lançar a sua cruzada, acreditava que acharia o local onde Tomé estava sepultado
sem dificuldade, eliminando, assim, os indícios que desestabilizariam a
cristandade. Achamos que era aqui. Os meus engenheiros só encontraram algumas
galerias destruídas, destacou Balduíno. Vestígios do antigo Templo de Salomão. Bucelin
balançou a cabeça de passarinho e piscou os olhos. Havia sido atingido por um
raio de sol reflectido numa enxada. O conde Hugues Champagne e o cavaleiro
Payns trabalharão para nós!, disse ele, enfaticamente. Eles vêm à Terra Santa
para nos impedir de pôr a mão no que Cristo deixou no túmulo de Tomé. Do que se
trata, monsenhor?, impacientou-se Balduíno. O bispo destacou cada sílaba da sua
resposta: está relacionado ao sudário do Impostor! Ao sudário?, perguntou o
jovem rei. Um pedaço de tecido ordinário no qual Tomé apodreceu! Não é só isso,
sire, articulou Bucelin. Há algo bem pior! Esse sudário contém um mistério
inominável». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, Os Cinco Templários de Jesus, 2006,
Editora Bertrand Brasil, 2013, ISBN 978-852-861-663-7.
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