O rei
de Jerusalém
«(…) Um quarto homem mantinha-se
retraído perto de uma grossa tapeçaria e parecia não querer participar na
conversa. Tratava-se do bispo Bucelin, núncio do papa Pascoal. Com o olhar
ausente, ele dedicava-se a descascar uma laranja com um cuidado quase feminino
e uma expressão de desdém nos lábios finos. Uma delegação aguardava-o em Ascalão
há mais de uma semana, esclareceu André. O rei suspirou e deu de ombros,
ironizando: temo que Hugues e os seus companheiros só venham a Jerusalém para
satisfazer a vontade das pessoas que pensam agradar a Deus. Ele virá acompanhado
do cavaleiro Hugues Payns, de quem já ouvi falar algumas vezes, afirmou
Bertrand. Balduíno completou: eu também! E se faz um grande mistério desse
singular personagem de quem, ao que parece, Hugues nunca se separa. A ponto de
se dizer que são irmãos, acrescentou Bertrand. Enfim, Payns seria um bastardo
do conde Thibaud, que só teria reconhecido Hugues, o conde actual, como herdeiro!
É um boato persistente em Champagne, onde é público e notório que Thibaud teria
cometido algumas infidelidades a Adèle Valois! Balduíno ia-se levantar.
Apoiou-se na mesa e ficou assim por um momento, curvado, olhando distraidamente
a missiva marcada com o selo do poderoso Hugues Champagne.
Que seja, disse ele. Faremos um
acordo com essas pessoas. Afinal, o conde de Champagne é marido de Constance,
filha do rei Filipe... Talvez ele nos seja útil! André pegou numa pequena
garrafa e serviu-se de uma grande taça de água, levando-a aos lábios. Depois de
bebê-la de um só gole e enxugar a boca com as costas da manga, ele disse,
rindo: para ser sincero, se conseguirmos defender a nossa causa, podemos pedir
alguns benefícios a ele! Certo, sublinhou Bertrand, passando a mão na cabeleira
ruiva e desgrenhada, em busca de piolhos. A nossa guarnição sofre incessantes
ataques dos bandos sarracenos; homens, armas e víveres seriam bem-vindos. Naturalmente,
frisou o jovem rei. Somos o exército de Deus... Um exército como esse não deve
ser miserável! No entanto, ele via as olheiras azuladas no rosto dos
companheiros, as faces magras, a pele rachada, prematuramente envelhecida...
Via indigentes que se achavam mestres, guerreiros recém-libertos da adolescência.
Estão todos assim, pensou ele. Todos os meus cavaleiros, os meus capitães, os
meus valentes. Todos os meus cruzados! Um bando de aventureiros dizimados pela
febre. Sire... Balduíno virou-se para o bispo: sim, Monsenhor?
O núncio murmurou algumas
palavras no ouvido do jovem rei de Jerusalém, de modo a não ser ouvido por André
e Bertrand. Sorrindo, Balduíno desculpou-se com os amigos: o bispo, cuja descrição
nós todos apreciamos, deseja conversar comigo em particular. Continuem a
consultar os últimos levantamentos dos nossos arquitectos enquanto me esperam. O
núncio e o soberano saíram da sala e seguiram pela galeria externa. Esse
peristilo corria ao longo do prédio; Balduíno imediatamente apreciou o seu
frescor. Seguindo logo atrás do prelado, o rei se distraía ao vê-lo pôr um pé
na frente do outro, com uma atenção ridícula, como um funâmbulo andando na
corda bamba acima de um abismo imaginário. Um odor apimentado de suor
acompanhava o bispo. Nunca vai perder o seu ar de conspirador, Bucelin? Imagino
o assunto sobre o qual quer falar-me mais uma vez. A nossa missão, sire... O
canto dos trabalhadores chegava até eles. Uma voz forte dava o tom e ritmava a cadência.
Os assobios dos contramestres terminavam de pontuar esse balanço envolvente. A
nossa verdadeira missão!, retomou o núncio. O empreendimento secreto dissimulado
pela cruzada... Faço de tudo para cumpri-la e pode relatar isso ao papa.
Retomei com zelo a investigação do meu saudoso irmão Godofredo.
A galeria dava para o pátio das
estrebarias. Uma escada surgiu diante dos dois homens e eles subiram, fazendo
uma parada no alto. Dali, eles viam um pouco do canteiro de obras. Uma grua
presa a um edifício lançava os seus braços verticais de madeira num céu quase
branco. O canto dos operários fazia-se mais presente e naquele momento se podia
perceber as respirações roucas que tornavam esse canto doloroso. Não tenho
nenhuma crítica a vos fazer, sire. Nada transpirou da nossa operação. Liberar o
Santo Sepulcro continua a ser o engodo ideal enquanto procuramos o túmulo do
Impostor. Posso imaginar a sua pressa em encontrá-lo, mas os nossos operários
escavam sem parar e...» In Didier Convard, O Triângulo Secreto, Os Cinco
Templários de Jesus, 2006, Editora Bertrand Brasil, 2013, ISBN 978-852-861-663-7.
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