terça-feira, 12 de junho de 2018

A Conquista de Ceuta. 1415. João Monteiro e António Costa. «Já João I chamou a si o encargo da coordenação do projecto e da organização das artilharias e das armas que haveriam de equipar a frota…»

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«(…) Foi também providenciado o pagamento dos soldos e das quantias anuais devidas aos vassalos e a todas as outras pessoas que a isso tinham direito, para que ninguém tivesse desculpa para negligenciar o seu equipamento. El-rei enviou cartas de percebimento aos senhores, fidalgos e homens de conta, para que se fizessem prestes para ir na armada e para que lhe dissessem com brevidade com que gentes tencionavam servi-lo naquela aventura, de modo a serem desembargadas as verbas necessárias. Ao infante mais velho e herdeiro do trono, o infante Duarte, que contava então 22 anos e que estava destinado a envolver-se na administração do reino, foi dado o encargo da justiça e da fazenda régias, uma tarefa bem pesada e que o príncipe me confessou mais tarde tê-lo conduzido a uma depressão profunda, que só a doença entretanto contraída pela mãe, e o que isso exigiu dele, ajudou a ultrapassar. Já João I chamou a si o encargo da coordenação do projecto e da organização das artilharias e das armas que haveriam de equipar a frota que, nesse dia 24 de Julho de 1415, partiu do Restelo para Santa Catarina, antes de se fazer ao mar oceano.

5.ª- Feira, 25 de Julho: zarpar em dia de São Tiago
No cais, a população apinhava-se para ver zarpar a formosa frota de destino misterioso. Era o culminar de muitos meses ou até anos de preparativos intensos e que haviam espantado (e cansado) o povo. Quem lá esteve falava de como se tinham limpado as armas, fabricado biscoito, salgado enormes quantidades de carne e de outras vitualhas, corregido dezenas de navios e aparelhado as respectivas guarnições. Sobretudo em Lisboa e no Porto, a agitação tinha sido grande, de dia e de noite. Junto ao rio Tejo, pudera-se observar o labor dos calafates e dos mesteirais a reparar os navios, enquanto noutros locais os homens decepavam bois e vacas, esfolavam os animais, cortavam-nos e salgavam-nos, metendo-os depois nos tonéis e nas botas em que haveriam de ser embarcados. Por seu lado, os pescadores, com a ajuda das suas mulheres, tinham aberto e salgado pescadas, cações e raias, entre outro pescado que espalhavam ao sol. Já os tanoeiros tinham-se atarefado a reparar vasilhas para transporte de vinhos, carnes e outros mantimentos, enquanto os alfaiates e os tosadores aparelhavam os panos e costuravam as librés de maneira vária, ao gosto dos senhores que lhas encomendavam. Enquanto isso, os carpinteiros tinham-se aplicado a encaixar os trons e as bombardas, mais a restante artilharia e os seus reparos, ao mesmo tempo que os cordoeiros tinham dado o seu melhor para compor guindastes, cabos e outra cordoaria de linho. Tinham sido meses e meses agitados para aprontar uma armada que, finalmente, dizia adeus a Lisboa.


Lisboa vista do rio na segunda metade do século XVI, por George Braunio. Neste desenho, é ainda possível observar a urbe tardo-medieval, defendida pelo grande perímetro da muralha fernandina e coroada pelo velho castelo de São Jorge. In Album/Atlantico Press.

A capital, diga-se de passagem, tinha sofrido bastante com o acontecimento, ficando muito gasta de pão e de outros mantimentos, pelo que el-rei decidira conceder isenção do pagamento da dízima e da sisa aos mercadores que importassem ou que trouxessem por mar os cereais e os legumes de que Lisboa precisava. Ao mesmo tempo, e de forma avisada, João I renovara a antiga regra de ninguém (mestres de navios, marinheiros ou senhores, em especial os de Lisboa) poder fretar navios para levar pão, castanhas, avelãs, nozes e outros mantimentos, assim como armas (lanças, dardos, espadas, solhas, bacinetes, cotas ou bestas), aço, ferro ou outras ajudas, a terra de mouros, sob pena de morrerem e de os seus bens e navios serem divididos entre a Coroa e os acusadores». In João Gouveia Monteiro e António Martins Costa, 1415, A Conquista de Ceuta, Manuscrito, 2015, ISBN 978-989-881-804-1.
                                                                                                             
Cortesia de Manuscrito/JDACT