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«(…) Ergui-me sobre um dos
cotovelos, fitando-o. Havíamos deixado uma vela acesa e eu podia vê-lo bastante
bem. Virara a cabeça e olhava distraidamente para a cromolitografia do príncipe
Carlos Eduardo com a qual a sra. Baird achara apropriado decorar a nossa
parede. Agarrei o seu queixo e virei o seu rosto para mim. Ele arregalou os
olhos, simulando surpresa. Está querendo dizer, indaguei, que o homem que viu
lá fora era alguma espécie de, de..., hesitei, em busca da palavra certa. Ligação?,
sugeriu, solícito. Amorosa de minha parte?, concluí. Não, não, claro que não,
afirmou de maneira pouco convincente. Retirou as minhas mãos de seu rosto e
tentou beijar-me, mas agora foi a minha vez de virar o rosto. Contentou-se em
puxar-me de volta para deitar a seu lado na cama. É que..., começou. Bem, sabe,
Claire, foram seis anos. E nos vimos apenas três vezes e apenas por um dia na última
vez. Não seria extraordinário se..., quero dizer, todos sabem que médicos e
enfermeiras ficam sob um terrível stress durante as emergências e..., bem,
eu..., é apenas que..., bem, eu compreenderia, sabe, se alguma coisa, de natureza
espontânea... Interrompi aquela lengalenga desvencilhando-me do seu abraço e
saltando para fora da cama. Acha que fui infiel consigo?, indaguei. Acha?
Porque se acha, pode sair deste quarto agora mesmo. Ir embora desta casa! Como
ousa insinuar tal coisa? Eu estava furiosa e Frank, sentando-se na cama,
estendeu os braços tentando me acalmar. Não toque em mim! Apenas me diga: acha,
diante do facto de um estranho estar olhando para a minha janela, que eu tenha
tido algum caso amoroso com um dos meus pacientes? Frank levantou-se da cama e
envolveu-me nos seus braços. Permaneci petrificada como a mulher de Lot, mas
ele insistiu, acariciando meus cabelos e esfregando os meus ombros da maneira
que sabia que eu gostava. Não, eu não acho nada disso, disse-me com firmeza.
Puxou-me para mais junto dele e eu relaxei um pouco, embora não o suficiente
para abraçá-lo. Após um longo tempo, murmurou nos meus cabelos: Não, eu sei que
nunca faria tal coisa. Só quis dizer que ainda que tivesse feito... Claire, não
faria nenhuma diferença para mim. Eu amo-a. Nada do que você tenha feito jamais
vai impedir-me de amá- la. Tomou o meu rosto nas mãos, apenas dez centímetros
mais alto do que eu, ele podia olhar directamente dentro dos meus olhos sem dificuldade,
e disse brandamente: perdoa-me? Senti seu hálito quente, ligeiramente perfumado
com o travo do Glenfiddich, no meu rosto e os seus lábios, cheios e
convidativos, ficaram perturbadoramente próximos.
Outro relâmpago do lado de fora
anunciou o súbito arrombamento da tempestade e uma chuva estrondosa começou a açoitar
o telhado. Devagar, passei os braços em torno da sua cintura.
O verdadeiro perdão não é forçado,
disse, mas cai como o suave sereno do céu... Frank riu e olhou para cima; as
diversas manchas no tecto eram um mau agouro para as perspectivas de podermos dormir
secos a noite toda. Se esta é uma amostra do seu perdão, disse, detestaria ver
a sua vingança. A tempestade ecoou como um ataque de morteiros, como se
respondesse às suas palavras, e nós dois rimos, descontraídos outra vez. Somente
mais tarde, ouvindo a sua respiração regular ao meu lado foi que comecei a
pensar. Como eu disse, não havia nenhuma prova que implicasse em infidelidade
da minha parte. Da minha parte. Mas seis anos, como ele dissera, era um longo
tempo.
Monumento
de Pedras
O sr. Crook veio-me buscar, como
combinado, pontualmente às sete horas da manhã seguinte. Assim poderemos pegar
o sereno nos botões-de-ouro, não é, menina?, disse, piscando os olhos como um
velho galanteador. Veio numa motocicleta, aproximadamente da sua própria idade,
para nos transportar ao campo. As prensas de plantas estavam cuidadosamente
amarradas às laterais de sua enorme máquina, como pára-choques de um rebocador.
Foi uma lenta excursão pelo campo tranquilo, ainda mais sossegado em contraste
com o ronco estrondoso da moto do sr. Crook, repentinamente silenciada.
Descobri que o velho senhor realmente possuía um grande conhecimento das
plantas locais. Não só onde elas podiam ser encontradas, mas as suas
propriedades medicinais e a maneira de prepará-las. Lamentei não ter levado um
bloco de anotações para registar tudo, mas ouvi atentamente a voz entrecortada
e procurei gravar as informações na memória, enquanto guardava as nossas
espécimes nas pesadas prensas. Parámos para fazer um lanche no sopé de uma
curiosa colina de topo plano. Verde como a maioria das suas vizinhas, com as
mesmas saliências e escarpas rochosas, tinha algo diferente: um caminho bem
usado que subia por um dos flancos e desaparecia bruscamente atrás de um
afloramento de granito. O que há lá em cima?, perguntei, apontando com um
sanduíche de presunto. Parece um local difícil para um piquenique». In
Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, Casa das Letras, Leya, 2010, 2016, ISBN
978-972-461-974-3.
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