terça-feira, 3 de novembro de 2015

Um Mundo Sem Nós. Alan Weisman. «Quando chove, a quantidade é de..., Briffa levanta as mãos, rendendo-se. É incalculável. ‘Talvez não seja realmente incalculável, mas não chove menos agora do que quando a cidade foi construída’»

Manhattan em 1602 e em 2009 
Cortesia de wikipedia e jdact

A Cidade sem Nós
«(…) Mais tarde, surgiram novos contornos, desta vez lançados ao longo de formas rectilíneas e ângulos definidos, e muita da água que dantes esculpia a ilha foi canalizada para o subsolo através de um dédalo de canos. O Projecto Manhattan de Eric Sanderson detectou a forma como o moderno sistema de esgotos seguiu de perto os antigos cursos de água, apesar de as linhas artificiais de esgotos não conseguirem escoar tão facilmente como a natureza. Numa cidade que sepultou os seus rios, observa ele, a chuva continua a cair. Têm de ir para algum lado. Esta será a chave para abrir a concha de Manhattan se a natureza a começar a destruir. Principiará muito rapidamente, com o primeiro golpe aplicado no ponto mais vulnerável da cidade: o seu ventre. Paul Schuber, do Departamento de Trânsito de Nova Iorque, e Peter Briffa, superintendente do serviço de Hidráulica e supervisor de manutenção de primeiro nível do Departamento de Emergências Hidráulicas, percebem perfeitamente como funcionaria tudo isto. Todos os dias, eles têm de impedir que 50 milhões de litros de água entrem nos túneis do metro de Nova Iorque. E é apenas a água que já está no subsolo, salienta Schuber. Quando chove, a quantidade é de..., Briffa levanta as mãos, rendendo-se. É incalculável.
Talvez não seja realmente incalculável, mas não chove menos agora do que quando a cidade foi construída. Em tempos, Manhattan tinha quarenta quilómetros quadrados de solo poroso misturado com raízes vivas que sugavam os doze mil milímetros (l/m2) de pluviosidade média anual para as árvores e para as ervas, que a absorviam quase toda e largavam o resto para a atmosfera. Tudo o que as raízes não absorviam, ficava no lençol de água da ilha. Em alguns locais, emergia sob a forma de lagos e pântanos, cujo excesso ela drenado para o oceano através dos quarenta cursos de água que agora jazem aprisionados entre cimento e asfalto. Hoje em dia, dado que há pouco solo para absorver a chuva ou vegetação para a transpirar, e dado que os edifícios impedem o Sol de a evaporar, a chuva recolhe-se em poças ou segue a gravidade até aos esgotos, ou escorre pelos ventiladores do metro, juntando-se à água que já lá está. Por baixo da Rua 131 e da Avenida Lenox, por exemplo, um rio subterrâneo cada vez maior está a corroer os terminais das linhas A, B, C e D do metro. Homens com coletes reflectores ou em roupas de ganga grosseira como as de Schuber e Briffa andam constantemente sob a cidade para gerirem o facto de o nível das águas, sob Nova Iorque, estar sempre a subir.
Sempre que chove muito, os esgotos entopem-se de destroços das tempestades, o número de sacos de plástico à deriva pelas cidades deste mundo está para além de qualquer cálculo, e a água, precisando de ir para qualquer lado, escorre pelas escadas de metro mais próximas. Junte-se um vento de noroeste, e o Atlântico a subir bate contra o lençol de água de Nova Iorque até, em sítios como Wall Street, na baixa de Manhattan ou o Yankee Stadium, no Bronx, subir pelos túneis, enchendo tudo antes de, finalmente, recuar. Se o oceano continuasse a aquecer e a subir mais depressa ainda do que os actuais 25 cm por década, chegaria uma altura em que, pura e simplesmente, não recuaria. Schuber e Briffa não fazem ideia do que aconteceria então». In Alan Weisman, Um Mundo Sem Nós, tradução José Barreto, Estrela Polar, 2007, ISBN 978-972-892-277-0.

Para o colega F. Duarte Santos
Cortesia EPolar/JDACT