Maio.
1169
«No terceiro quartel do século
XII, o mapa político da Hispânia estava em construção, e a afirmação final dos
reinos de Portugal, Castela, Aragão e Navarra, que se verificou a partir de 1230, não era então um dado adquirido.
Na luta contra os muçulmanos, os príncipes cristãos buscavam a dilatação dos
seus territórios para sul, ao mesmo tempo que espreitavam os vizinhos, tentando
adivinhar-lhes os rumos das conquistas, procurando saber o momento em que
fraquejariam para abocanhar as terras de fronteiras instáveis e talhadas a
golpes de espada, e cuidando de evitar que o vizinho se fortalecesse
demasiadamente, nem que para isso fosse necessária uma aliança com o mouro. Em 1158, os reis Fernando II de Leão e
Sancho III de Castela, ambos filhos de Afonso VII, haviam assinado o Tratado
de Sahagún, em que acordavam os rumos da Reconquista, prevendo que as
terras do Alentejo e do Algarve ficavam reservadas para a monarquia leonesa. O
enclausuramento do reino de Portugal aos territórios entre o Minho e o Tejo
seria o primeiro passo dos leoneses para recuperarem a soberania sobre as
terras portucalenses, que lhes haviam escapado apenas há quinze anos. A
independência lusitana ainda não passava de um sucesso efémero, aos olhos dos
seus vizinhos e rivais.
No entanto, as movimentações
militares no Oeste peninsular contrariavam os desejos dos dois irmãos, pois
Afonso Henriques e os seus cavaleiros pareciam imparáveis. Dominada a linha do
Tejo em 1147, avançaram naturalmente
para sul; encontraram forte resistência em Alcácer do Sal, mas depois da sua
conquista, em 1160, seguiram-se
novas vitórias que iam gerando um novo mapa político. O rei beneficiou então da
acção particular do célebre Geraldo Sem-Pavor,
que investiu para leste e para sul, tendo tomado vários castelos que colocou
sob a autoridade portuguesa. Em 1162
capturou Beja, e em 1165 e1166
ocupou Trujillo, Évora, Cáceres, Serpa, Moura e Alconchel. Assim, o reino de Portugal
parecia configurar-se cada vez mais com a antiga província da Lusitânia do
Império Romano, que tivera a sua sede em Mérida. A tomada destas posições permitia
sonhar com a incorporação de muitas outras terras a leste do Guadiana na
monarquia portuguesa, e para consolidar essa linha de rumo faltava conquistar
Badajoz.
Assim, o avanço para sueste da
hoste lusitana representava a situação oposta à que fora prevista pelo Tratado
de Sahagún, pois era a monarquia leonesa que via o seu avanço para sul ser
tolhido pelo alastramento das conquistas portuguesas. Fernando II de Leão
evitara a ocupação permanente de Salamanca por Afonso Henriques, em 1163, promovera o repovoamento de Cidade
Rodrigo, desde 1161, e ocupara
Alcântara em 1166, mas gastara boa
parte das suas energias, nesses anos, na luta contra Castela, tentando tirar
partido da menoridade de seu sobrinho, o rei Afonso VIII, o que facilitou o
avanço português pelas terras dos mouros. Em 1169, Geraldo Sem-Pavor e
Afonso Henriques congregaram forças para o golpe final, que lhes abriria as
portas da Andaluzia, e atacaram Badajoz. Este era o último bastião islamita na
região, depois de todos os castelos em seu redor terem caído em mãos lusitanas,
mas o leonês percebeu o perigo; no ano anterior enviara um emissário a Sevilha
para acertar os moldes de uma aliança antiportuguesa, e quando Badajoz foi
atacada acorreu em auxílio dos aliados.
A 3 de Maio, as forças
portuguesas entraram no casario da cidade, mas os últimos mouros acantonaram-se
na alcáçova, e resistiram até à chegada dos reforços cristãos. Quando a hoste
leonesa entrou pela medina, Afonso Henriques viu-se forçado a retirar, e na
cavalgada precipitada o monarca português sofreu um acidente e partiu uma
perna; ainda escapou sob a escolta da sua guarda, mas foi capturado poucas léguas
adiante por cavaleiros leoneses. O monarca foi libertado volvidos dois meses,
mas teve de entregar a Fernando II os castelos que detinha na Extremadura e na
Galiza. Graças à intervenção de Fernando II, Badajoz permaneceria sob governo muçulmano
mais sessenta anos e Leão recuperava o contacto com a mourama na sua fronteira
meridional; o reino de Portugal consolidava por então o domínio do Minho, de Trás-os-Montes
e das Beiras, mais o vale do Tejo, e guardava para si a ocupação dos
territórios além do Tejo, mas jamais voltaria a tentar a restauração da
velha Lusitânia. A estrela vitoriosa d´el-rei Afonso Henriques apagou-se no
desastre de 1169, e o velho rei
abandonou as lides guerreiras, ao mesmo tempo que a sul se formava nova vaga islamita
sob a égide dos Almóadas, que pouco depois se abateu brutalmente sobre a
cristandade peninsular. Nascido sob um ímpeto conquistador, Portugal iria
iniciar uma nova conjuntura estratégica, marcada pela capacidade de resistir.
Iniciava então o primeiro teste de sobrevivência. Sobrevivência política e
sobrevivência dinástica. O monarca alquebrado mantém a autoridade régia, mas
Sancho I, o herdeiro, passa a intervir directamente na governação e surge-nos
desde então mencionado na documentação como pariter, em parceria com
o pai». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa,
Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.
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