A
bula Manifesti Probatum Est
«Em 1143, Afonso Henriques
escrevera ao papa, prestando-lhe vassalagem. No entanto, como vimos, a
independência então obtida ainda tinha pouca credibilidade, mesmo aos olhos do
vizinho leonês, e a santa sé comungou dessas dúvidas nas décadas
seguintes. Assim, ao longo de trinta e cinco anos, a chancelaria da cúria papal
continuou a designar o monarca português como dux, até que o papa
Alexandre III cedeu e atribuiu ao velho guerreiro o título de rex.
O reino de Portugal tornava-se finalmente num membro de pleno direito da
cristandade. Depois de vencer pela espada, afirmava-se pelo Direito
Internacional. Várias causas terão concorrido para que a santa sé
concedesse então o título régio a Afonso Henriques. Em primeiro lugar, deve notar-se
que o monarca fez chegar a Roma um tributo mais avultado duplicando o valor
inicial, o que nos mostra que o Conquistador
sempre entendeu que o reconhecimento papal era uma peça crucial do processo
político e diplomático de afirmação do reino de Portugal no contexto da
cristandade.
Nesta ocasião, também a
conjuntura peninsular justificava o fim da resistência romana, pois todos os soberanos
peninsulares já reconheciam o português como rex, e o sonho de uma
unidade imperial hispânica se esfumara. Aliás, a coroa portuguesa vira crescer
a sua legitimidade quando os membros da família real passaram a ter
credibilidade para se consorciar com membros de outras casas reinantes na
Hispânia. Afonso Henriques tardara em casar e não lograra obter por esposa uma
princesa, mas apenas a filha do conde de Saboia, num sinal óbvio de que o seu
estatuto internacional ainda não o colocava numa dimensão régia, mas depois a
situação alterou-se e em 1165 o rei
Fernando II de Leão casou-se com dona Urraca, filha de Afonso Henriques;
depois, em 1174, Sancho I celebrou
matrimónio com dona Dulce, irmã do rei Afonso II de Aragão. A1ém disso, em 1179 o poder dos Almóadas crescia e os
príncipes cristãos estavam cientes de que a continuidade da cruzada do Ocidente
assentava na existência de vários potentados fortes. Portugal era, pois, uma
peça indispensável, ainda que o seu carácter periférico contribuísse para não
ser considerado em muitas das negociações entre as outras monarquias peninsulares.
Finalmente, o próprio herdeiro da
Coroa, que era cunhado do rei de Aragão, mostrara a sua capacidade para
prosseguir a guerra contra os mouros, ao chefiar um fossado que levara as armas
de Portugal aos arrabaldes de Sevilha, no final do ano anterior. Portugal
demonstrava capacidades para se manter como reino independente e, por
coincidência, na mesma ocasião em que Alexandre III emitia a bula, em Roma,
el-rei Afonso Henriques assinava as cartas de foral de Coimbra, Santarém e
Lisboa, em sinal de que estes burgos eram polos de desenvolvimento económico,
habitados por comunidades dinâmicas e em crescimento..., como o próprio país. A
longevidade do fundador permitiu-lhe assim assistir ainda à consagração final
da obra a que dedicou toda a sua vida». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da
Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN
978-989-644-248-4.
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