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«(…) No dia em que decidi entrar
nele, as monjas acolheram a minha chegada com imensa alegria, consideraram que
era uma grande honra eu as ter preferido. No entanto, a minha corte
experimentou um profundo pesar, pois entendeu-o como um abandono da minha
parte. E Portugal transformou-se a partir de então no alvo da política imperial
dos Habsburgo, ao passar a minha regência, sobre o único herdeiro possível da
Casa de Avis, o meu pequeno neto, o rei Sebastião, para o meu cunhado, o
cardeal Henrique, irmão do meu esposo. Desejava recolher-me em solidão para
rezar. Precisava disso quando tomei a decisão de o fazer e continuo a precisar
ainda hoje; ou, por outras palavras, só desejei ser rainha para acompanhar o
meu fiel esposo no difícil caminho da governação, mas, ao ficar viúva, não
desejava continuar a ser soberana. À minha volta fui tecendo valas de silêncio
e oração, e também de reflexão; aquilo a que aspirava era a amarrar-me à alma
dos que mais amei e que já não são vivos. Apesar dos possíveis reparos que
originava a minha decisão indeclinável de abandonar o mundo para me recolher no
mosteiro, fiz saber por todo o reino que renunciava à regência do meu neto.
Fazia-o porque já não desejava governar em seu nome, nem me encontrava com as
forças necessárias para reger em seu lugar devido à minha idade. O único
horizonte dos meus olhos nesses tempos era o convento, como quando era criança,
e o único espaço onde se detinha o meu olhar eram os velhos muros de uma
fortaleza abandonada.
Quando o meu esposo, João III,
faleceu, no ano do Senhor de 1557, todos os nossos filhos já tinham morrido.
Com apenas três anos e estando sob os meus cuidados, o meu neto Sebastião herdou
o trono lusitano. O pequeno principezinho parecia estar condenado à felicidade
e à boa esperança. Nascera a 20 de Janeiro de 1554, sob a protecção de São
Sebastião, e, apesar de ter chegado ao mundo dezoito dias depois da morte do
pai, o meu querido filho João Manuel, todo o Portugal o considerou um dom do
céu, pelo que, para evitar o receio de a Lusitânia acabar por ser um território
espanhol, o reino exultante o aclamou como Sebastião, o Desejado.
A sua mãe, a princesa Joana,
arquiduquesa de Áustria e infanta de Espanha, era a filha mais nova do meu
irmão, o imperador Carlos V que, com a intenção de abdicar do trono, a mandou
visitar Espanha com urgência, a 17 de Maio desse ano, deixando o herdeiro aos
meus cuidados. A jovem tinha apenas dezanove anos quando assumiu a regência
daquele reino, a 12 de Junho de 1554. (Fê-lo porque seu irmão e herdeiro, o
príncipe Filipe, viúvo da nossa filha Maria Manuela, tinha de partir para Inglaterra
para desposar Maria I. Durante cinco anos, exerceu em seu nome a administração
do governo. Amiga pessoal do fundador da Companhia de Jesus, Ignacio Loyola, e
de quem fora na minha infância meu pajem em Tordesilhas, Francisco Borja, seu
confessor, contou sempre com um apoio incondicional quando teve de assumir a
regência.) E, assim, o pequeno infante, sem ter ainda feito quatro meses, teve
de ser abandonado pela mãe, pois, ao ser herdeiro legítimo de Portugal, não a
pôde acompanhar no seu destino.
Recordo a trágica tarde em que,
com lágrimas nos olhos, Joana beijou com ternura, pela última vez, a testa do
filho e deixou o menino entre os meus enlutados braços. Obrigada pelas urgências
do império, o seu coração partiu-se em dois. A gravidade das circunstâncias
encurtou o tempo da despedida. Eu considerei-o um triunfo pessoal do meu irmão
e, na tarde em que Joana me anunciou a sua partida, invadiu-me uma profunda dor
por ela e pelo menino». In Yolanda Scheuber, Catarina de Habsburgo,
Rainha de Portugal, Ediciones Nowtilus, 2011, Casa das Letras, Oficina do
Livro, 2013, ISBN 978-972-462-077-0.
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