segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «Sugeriu-se que naquela posição os reis pedem misericórdia a Cristo pelos seus pecados. Poderá considerar-se uma expressão pública de expiação pelo facto de terem casado sem dispensa papal?»

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Infanta dona Urraca (1150?-1222?). Filha de Leão; filha de Afonso Henriques de Portugal; mulher do rei Fernando II de Leão; mãe do rei Afonso IX de Leão
«(…) Fernando II de Leão deu-se então conta de que não estava em condições de combater em duas frentes simultaneamente, por um lado Castela e por outro as terras galegas. O resultado foi concertar um novo encontro com o rei português. A 30 de Abril de 1165, Fernando e Afonso reuniram-se sobre o Lérez na Ponte Velha [actual Pontevedra] e ambos se mostraram dispostos a acordar numa verdadeira e mútua paz entre eles e os seus reinos. É então que a infanta Urraca deixa de ser pela primeira vez apenas um nome nos documentos, e se converte em parte essencial de um facto histórico de importância transcendente, pois por meio da aliança de Pontevedra o pai concerta de forma clara o seu matrimónio com o rei de Leão. A infanta andaria então pelos seus quinze anos, enquanto o seu futuro marido andaria pelos vinte e oito. A descrição que é feita do casal no momento do casamento é um tanto hagiográfica. O rei, forte e guerreiro, excelente cavaleiro, generoso. A rainha, pacífica e piedosa. Mas o tópico não tem necessariamente de ser falso.
Quanto às características do monarca, talvez seja interessante assinalar que Fernando era conhecido pelos chefes muçulmanos por o baboso. Seja como for, não é essa a questão mais importante em relação aos reis, mas outra: por que casaram sem disporem antes da dispensa papal? Devemos recordar que a proibição de contrair matrimónio entre parentes ia na altura até ao sétimo grau, portanto era obrigatório que houvesse uma dispensa papal para que fosse válido. Que razão levou a que essa dispensa não fosse solicitada de antemão? Fica a impressão de que a boda de Urraca foi celebrada com demasiada celeridade, provavelmente devido à necessidade política de ambas as partes, o monarca de Portugal e o de Leão. Conseguir a paz entre os reinos terá parecido a ambos ser mais urgente do que garantir um trâmite que supostamente não apresentaria qualquer dificuldade.
Curiosamente, o tema que poderia ser motivo de discussão entre as partes do matrimónio, o do dote, parece ter-se resolvido sem problemas. O rei outorgava à infanta várias vilas como arras, entre as quais se destacava a de Gema, perto de Zamora, e a citada Castro Toraf. A partir da sua boda com Fernando, e nos seis anos seguintes, os únicos dados certos sobre Urraca são os que se retiram dos registos que têm o seu nome a seguir ao do rei, nos sucessivos actos de doação de bens e privilégios que a coroa ia outorgando a diversos mosteiros, ordens religiosas ou particulares. Segundo esses diplomas, a primeira vila em que se encontra o casal já unido pelo matrimónio é Valdeorras, então chamada Jardim do Poente, onde estavam a 16 de Junho de 1165.
Naquela época, as cortes peninsulares eram sempre itinerantes, e uma rainha tinha de se acostumar a movimentar-se de um local para outro, levando consigo os poucos elementos de comodidade que compunham o seu enxoval. Os limites da cidade de Leão estavam a expandir-se paru lá da robusta e maltratada muralha romana. Como cristã e piedosa rainha que era, segundo a tradição uma das primeiras visitas que terá feito foi ao Hospital de São Marcos, que se dedicava principalmente a dar hospedagem a peregrinos. Sendo assim, terá orado na vizinha igreja de Santo Isidoro, que continha uma forte torre e um antigo e venerável cemitério real, e cujas abóbadas Fernando mandaria mais tarde decorar com frescos. Numa delas, aparecem os monarcas de joelhos, em oração, sob uma cruz, segundo o esquema tradicional utilizado pelos artistas para dar testemunho dos patronos da obra. Na sua execução primitiva, a pintura comove pelo seu realismo. Sugeriu-se que naquela posição os reis pedem misericórdia a Cristo pelos seus pecados. Poderá considerar-se uma expressão pública de expiação pelo facto de terem casado sem dispensa papal?
Durante a ausência do monarca para as bodas, os Lara, linhagem nobiliárquica que detinha então o domínio sobre o rei-menino de Castela, aproveitaram para atacar várias povoações da fronteira leonesa. Devido a isso, Fernando esteve pouco tempo em Leão, e viu-se obrigado a penetrar no reino do sobrinho e assediar Medina del Río Seco. Não se sabe se a rainha o acompanhou nesta missão». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT