terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «A notícia do nascimento do herdeiro deve ter chegado aos ouvidos do papa em finais de 1171, a quem deve ter parecido um desafio às regras…»

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Infanta dona Urraca (1150?-1222?). Filha de Leão; filha de Afonso Henriques de Portugal; mulher do rei Fernando II de Leão; mãe do rei Afonso IX de Leão
«(…) Em Fevereiro, de regresso de Compostela, e sintomaticamente, o rei premiou os bons serviços prestados pelo seu fiel servidor Guido na Cúria romana, sem dúvida o assunto da dispensa dos reis. Tinham passado cinco anos desde o casamento, um tempo extraordinariamente longo, tratando-se de jovens e que tinham como objectivo principal da sua união conceberem um herdeiro. Terá a demora alguma coisa a ver com a consecução da dispensa? Nesse mesmo mês de Fevereiro os reis estão de novo em Leão, fazendo uma doação não menos significativa do que a anterior, se bem que desta vez o destinatário fosse uma ordem militar, que iria fazer história em toda a península. Ao conceder certos privilégios ao magistrum fratrum Cáceres, o primeiro mestre da activa e poderosa Ordem de Santiago, nascida em finais do ano anterior, os reis leoneses pretendiam favorecer o mais importante objectivo a que se tinha dedicado um grupo de cavaleiros cristãos, 1utar contra o infiel em defesa da cruz e amparar a religião, em particular os peregrinos que se deslocavam a Santiago.
Não parece que a já segura gravidez da rainha tenha feito diminuir o ritmo de movimento da corte. Durante os dois primeiros meses, os reis foram a Oviedo, depois a Lugo, e mais tarde desceram a ribeira do Tormes, fazendo as habituais doações a mosteiros e vassalos. Passada a primeira metade de Julho, contudo, a corte pára em Zamota, pois a rainha tinha chegado ao último mês da gravidez. E foi em Zamora que, a 15 de Agosto de 1171, Urraca deu à luz o seu primogénito, pelo que podemos deduzir que em Fevereiro de 1171, quando o rei fez a doação a mestre Guido, seu servidor para as questões pontifícias, a gravidez da rainha andaria pelo terceiro mês. O infante foi baptizado na igreja-mor, perto do alcácer, e recebeu o nome Afonso. Isso favorecia a diplomacia entre as famílias de ambos os cônjuges, pois era esse o nome, tanto do avô paterno, o defunto rei Afonso VII de Castela e Leão, como do materno, o rei Afonso Henriques de Portugal.
Não tinha ainda decorrido um mês sobre o feliz nascimento, quando a corte partiu para Castroverde, na fronteira com Castela, onde os reis leones se encontrariam com a família real castelhana. Partiram rumo a Leáo. Os reis, que desta vez levaram o filho, fizeram novas doações ao mestre da ordem de Santiago e aos cavaleiros da sua nova milícia, que sob a invocação do citado apóstolo prometeram lutar sempre contra os inimigos da Cruz. A notícia do nascimento do herdeiro deve ter chegado aos ouvidos do papa em finais de 1171, a quem deve ter parecido um desafio às regras em matéria matrimonial que estava a tentar impor. Foi então que, provavelmente, decidiu enviar à Península o cardeal Justino, para tentar resolver a questão. O cardeal acabaria por encontrar-se a sós com o rei, como se referiu, em Leão, em Maio de 1172. Se até então os reis não estivessem tranquilos a respeito do tema da dispensa, com a segurança que lhes tinha dado mestre Guido, dificilmente o teriam premiado em Fevereiro do ano anterior, quando se confirmou a notícia da gravidez da rainha.
Quando o rei tomou conhecimento do que o cardeal tinha a dizer-lhe da parte do Papa, terá talvez pensado, pela primeira vez, que não tinha sido correctamente informado pelo cardeal sobre a verdadeira forma de ser de Alexandre III: o primeiro Papa munido de uma completa formação jurídica. Nos seus doze anos de pontificado, tinha dado provas de um carácter resoluto e independente, e não tinha tido dúvidas em defrontar o próprio poder imperial. Inteirado o rei de Leão de que o Papa não parecia estar disposto a conceder a dispensa, como provavelmente lhe teria dito mestre Guido, talvez tivesse visto partir o cardeal Jacinto rumo a Portugal, depois de superada uma breve enfermidade, com uma sensação de alívio momentâneo. O rei lusitano também não podia exercer demasiada pressão neste tema, estando, como estava, dependente de uma resposta positiva do Papa a um assunto mais vital para o seu reino, o reconhecimento de vassalagem». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT