quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

D. Maria I. Jenifer Roberts. «O convento predileto de João V era o de Odivelas, onde tinha um apartamento forrado de tapetes e espelhos. Dois dos seus muitos filhos bastardos foram ali concebidos»

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A Vida Notável de uma Rainha Louca
Infância Real (Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa)
«(…) Cinquenta e sete anos antes, essa mesma praça junto ao rio, o Terreiro do Paço, fora palco de uma imensa alegria. Era também uma tarde húmida de Inverno. As borrascas subiam o Tejo e a chuva enchera poças na praça e no cais de mármore junto às águas. A oeste, localizava-se o palácio da família de Bragança, majestoso e soberbo. Os quartos e os corredores estavam iluminados por candelabros e velas de sebo, enquanto os criados transportavam apressadamente recipientes com água quente e roupa de cama lavada. Uma princesa de dezasseis anos dava à luz a sua primeira criança. Às seis horas da tarde, quando fez força e gritou pela última vez, nasceu uma rapariga que, depois de crescer, se tornaria no primeiro monarca feminino da história portuguesa. De acordo com os costumes, o bebé assomou do corpo da mãe à vista de uma pequena multidão de padres, cortesãos, ministros, médicos e criados. A recém-nascida foi recolhida nos braços da sua avó, levada para uma sala adjacente e apresentada ao avô, o rei João V, e ao pai, o príncipe herdeiro José, os quais se ajoelharam para agradecer a Deus o bem sucedido parto.
Assim que a notícia foi anunciada, logo se juntou uma grande multidão no Terreiro do Paço. O ar reverberava com os aplausos, com o dobrar dos sinos e com os tiros de canhão. Os coches dos diplomatas estrangeiros depressa chegaram ao palácio. Fui imediatamente à corte, escreveu o embaixador britânico para Londres nessa mesma noite, porque me disseram que assim era hábito e tive audiências com a família real para os felicitar. Recomendo que a carta de felicitações do rei não tarde e que seja enviada no próximo barco, pois esta corte é muito sensível a tais pormenores. As celebrações prolongaram-se durante mais três dias, com os foguetes no ar, os sinos a tocar e as velas nas janelas, que o povo de Lisboa acendia ao escurecer, iluminando a cidade durante a noite. O Te Deum foi cantado nas igrejas e, a 9 de Janeiro de 1735, a criança foi levada à capela real e baptizada, com grande pompa e cerimónia, com o nome de Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana Bragança.
Maria nasceu na cidade mais rica e opulenta da Europa, uma Lisboa enriquecida pelas minas de ouro e de diamantes do Brasil. Frotas carregadas de pedras e metais preciosos chegavam do Rio de Janeiro, todos os anos, uma riqueza que foi usada pelo seu avô para engrandecer a Igreja portuguesa de modo a esta poder rivalizar com o Vaticano em pompa e esplendor. Em teoria, João V era um monarca com poderes absolutos. Na prática, era apenas um escravo dos sacerdotes. A Igreja era a instituição mais poderosa do país, beneficiando de tal maneira da indulgência do rei, que não se sabia onde a autoridade eclesiástica terminava e a autoridade do monarca começava. A Companhia de Jesus tinha indiscutível poder e influência, controlando todo o sistema de ensino, confessando toda a família real e tendo construído, sempre em nome da defesa da fé católica, uma considerável teia de poderes por todo o reino.
O arcebispo de Lisboa, conhecido como patriarca, tinha sido elevado à dignidade de pontífice. Usava vestes similares às do Papa e era auxiliado por um Sacro Colégio de vinte e quatro prelados que envergavam trajes escarlates. Não há no mundo nenhum eclesiástico, escreveu Joseph Baretti, amigo do dr. Johnson, que seja rodeado de tanta pompa como este Patriarca. O rei construía conventos e igrejas, cobria-os com mármores raros e enchia-os de tesouros: altares de ouro e prata cravejados de pedras preciosas, quadros e esculturas de Itália, bibliotecas com milhares de livros. A sua alegria eram as procissões religiosas, escreveu Voltaire. Quando se apegava à construção, edificava mosteiros; quando queria uma amante, escolhia uma freira. O convento predileto de João V era o de Odivelas, onde tinha um apartamento forrado de tapetes e espelhos. Dois dos seus muitos filhos bastardos foram ali concebidos». In Jenifer Roberts, D. Maria I, A Vida Notável de uma Rainha Louca,  Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-123-4.

Cortesia de CdasLetras/JDACT