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Coimbra.
Julho de 1117
«(…) E precisava das raparigas.
Fátima já fizera dez anos, era impertinente e rezingona, mas linda e adorável
com os seus cabelos negros e longos; e Zaida era tão doce, meiga e serena que
Taxfin nunca sentia tanta paz como junto daquela pequena criatura de sete anos.
Os quatro costumavam cantar canções de Córdova, velhas melodias da serra Morena,
onde elas tinham nascido, músicas tão bonitas que conseguiam embalar a Lua e as
estrelas. Estavam de certeza com os corações repletos de esperança, agora que o
sabiam ali. Abu Zhakaria era o seu melhor homem, o único que sabia a verdade sobre
as crianças, e foi ele quem me relatou este episódio décadas depois. Naquela manhã
em Coimbra, tinha apenas dezoito anos, mas já combatia como um leão e pensava como
uma águia. Arguto, alertara Taxfin de que Ali Yusuf já sabia quem eram as
meninas. Cuidado wali, o califa odeia homens como nós, de famílias andaluzas, de
Córdova, e só nos tolera enquanto estiver a lutar longe de Marraquexe!
Mal souberam da retirada, os dois
correram desesperados até à tenda de Ali Yusuf, onde o califa os esperava, caminhando
de um lado para o outro, em cima dos tapetes da sua grandiosa instalação. Ainda
sozinho, subitamente parou, e bateu com a alpergata direita no chão, espezinhando
uma formiga. Aquela antiga família que todos julgavam soterrada nos confins da memória
muçulmana, podia renascer e ameaçar o seu herdado califado. Tal como o pai, Ali
Yusuf não admitia disputas pelos seus estimados domínios, que se estendiam desde
o Sul dos desertos africanos até ao Al-Andaluz, mas teria de procurar uma desculpa
inteligente para pôr fim ao cerco a Coimbra. Ao admirar as pérolas do colar, decidi,
justificar a partida com guerras maiores a travar contra Afonso I de Aragão, perto
de Saragoça! Ou com as febres... Ninguém sabia se era um pequeno surto ou uma epidemia.
As tropas estavam nervosas, mesmo quando os doentes nem chegavam a trinta. Os berberes
eram lutadores ferozes, mas tremiam perante maleitas invisíveis, que não sabiam
como combater.
Durante a noite, o califa
hesitara, já retirara no ano anterior, irritava-o não conquistar o Oeste
peninsular. Al-Mansor chegara a Compostela, mas ele não passaria do Mondego! Pela
segunda vez, tinha de abandonar Coimbra. Mesmo contrariado, voltara àquela cidade
porque Taxfin queria recuperar o que perdera um ano antes, a mulher e as duas
filhas.
Os cristãos não eram como os árabes,
não levavam as mulheres para as batalhas. Mas eles faziam-no e por vezes
perdiam-nas. Quando, no ano anterior, o primeiro cerco a Coimbra se levantou, na
confusão que sempre se gera aquando da partida de milhares de homens, algumas
carroças tresmalharam-se e caíram nas mãos dos cavaleiros de dona Teresa de Portugal.
Entre os prisioneiros, estavam a mulher de Taxfin, Zulmira, e as filhas desta, Fátima
e Zaida. Louco de raiva, Taxfin quisera recuperar a família, mas o califa proibira
nova investida. Em troca, prometera voltar no ano seguinte e por isso aqui estava
hoje. Desta vez, as tropas andaluzas tinham vindo de Córdova e Sevilha por estrada,
comandadas por Taxfin, mas o califa viera de barco com os seus berberes.
Entrara Mondego dentro, desembarcara ali perto, em Montemor-o-Velho, e depois instalara-se
nesta tenda vasta, onde agora estava arrependido da promessa que fizera há um ano».
In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras,
2015, ISBN 978-989-741-262-2.
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