terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Infantas de Portugal. Rainhas em Espanha. Marsilio Cassotti. «Tê-lo-á acompanhado à sua terra de origem e lá terá permanecido até à recuperação do pai? Tê-lo-á feito com o acordo do marido?»

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Infanta dona Urraca (1150?-1222?). Filha de Leão; filha de Afonso Henriques de Portugal; mulher do rei Fernando II de Leão; mãe do rei Afonso IX de Leão
«(…) A 6 de Dezembro, o casal estava de novo em Salamanca. Ali celebraram, pela primeira vez juntos, os rituais da Natividade. Segundo os registos, estariam naquela cidade até 31 de Dezembro de 1165. É inútil tentar procurar nos documentos a notícia que mais poderia interessar, o anúncio da gravidez de Urraca, pois é assunto que as fontes medievais raramente referiam. A rainha estava já em idade de procriar e a qualquer momento podia ser dada a feliz nova. Em Abril de 1166, a vitória do marido sobre uma das jóias da coroa castelhana, Toledo, permitia-lhe, tão legítima como brevemente, intitular-se rainha, dessa cidade. Em 1167, vão de Compostela para Zamora, e dali de novo para Salamanca. Mas não há notícias de um herdeiro. No início de 1168, os esposos visitam de novo Compostela, onde fazem doação de cem maravedis ao mestre Mateus, que se ocupava das obras da catedral, dedicada ao apóstolo. Estavam prestes a cumprir-se os três anos obrigatórios de coabitação que a Igreja exigia aos cônjuges para que se pudesse dar início aos trâmites de anulação no caso de não haver descendência, prática a maioria das vezes solicitada pelos reis, pois quase sempre se considerava que era a mulher a responsável.
Seguramente, esta ausência de um filho, que garantia definitivamente a paz entre os reinos, preocupava Afonso Henriques. Entretanto, o rei de Portugal não tinha ficado de braços cruzados. Desde o ano da boda de Urraca, 1165, até já bem entrado o ano de 1168, Geraldo sem Pavor tinha-se ocupado, por conta do seu rei, da tomada aos muçulmanos de algumas praças da fronteira sul, como Évora, Trujillo e Serpa. Em 1169, dispôs-se a conquistar Badajoz, considerada a mais importante e estratégica, enquanto capital de um reino muçulmano. Geraldo conseguiu entrar em Badajoz no dia 8 de Maio. A notícia chegou rapidamente à corte leonesa. Os sarracenos derrotados pediam auxílio ao marido de Urraca, oferecendo em troca um pacto de vassalagem. O rei de Leão reuniu as suas tropas e partiu para Badajoz, com o objectivo de expulsar os portugueses. Em determinado momento da batalha, para evitar cair em mãos leonesas, que já cantavam vitória, o pai de Urraca fugiu a galope, mas com tão pouca sorte que, ao passar por uma porta da muralha, embateu num ferrolho e ficou ferido numa perna. Foi então feito prisioneiro.
Segundo a maioria dos cronistas leoneses, Afonso Henriques confessou a sua falta perante o genro e ofereceu o seu reino em troca da sua libertação. O marido de Urraca respondeu-lhe que bastava que lhe devolvesse o que era dele, isto é, Badajoz. Os actuais historiadores portugueses não deixam de assinalar a escassez de fontes lusitanas da época a respeito do que então se denominou o infortúnio de Badajoz. Segundo a documentação lusitana de então, o rei Afonso Henriques passou os meses de Setembro a Dezembro seguintes nas termas de Lafões, (actual termas de S. Pedro do Sul??) a recuperar de ferimentos que lhe deixariam sequelas físicas e morais para o resto da vida. Essas fontes referem Urraca, pela primeira vez desde o seu matrimónio com Fernando, como subscritora de documentos assinados pelo pai em Portugal. Tê-lo-á acompanhado à sua terra de origem e lá terá permanecido até à recuperação do pai? Tê-lo-á feito com o acordo do marido?
O amor filial das rainhas medievais não era incompatível com uma mais que realista compreensão dos conflitos, que não só se produziam contra os infiéis como muitas vezes colocavam frente a frente parentes muito chegados. Em duas actas sucessivas elaboradas em 1169, a rainha surge-nos na documentação junto do marido. Mas voltamos a encontrá-la, em Dezembro desse ano, em Ciudad Rodrigo, ao lado de Fernando. Teria ido passar o Natal com ele? A julgar pelas notícias que chegaram ao reino leonês da fronteira sul, o pai de Urraca tinha recuperado rapidamente. É possível que Afonso Henriques não voltasse a ser o mesmo depois do infortúnio, mas com a ajuda de Geraldo sem Pavor tinha voltado a pensar na reconquista de Badajoz, agora em mãos dos almóadas, se bem que como tributários de Leão. Os portugueses, liderados por Geraldo, conseguiram apoderar-se de novo da cidade, mas uma vez mais foi uma posse fugaz, pois o rei leonês voltou a ir em defesa dos muçulmanos. Em troca, o califa enviou-lhe uma série de presentes, entre os quais um valiosíssimo manto púrpura recamado a pedras preciosas. O rei leonês partiu para Ciudad Rodrigo, a caminho de Alcântara. Ali, o casal real voltou a encontrar-se, provavelmente para assistirem juntos às celebrações do Ano Novo. A rainha deu então ao marido um presente mais desejado que o dos infiéis: a notícia de que estava grávida». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-396-6.

Cortesia ELivros/JDACT