«(…) O principezinho, alheio a tudo o que à sua volta acontecia, sorriu à mãe quando ela o beijou naquela triste despedida e depois, entre os meus braços, voltou a sorrir-me, talvez intuindo que eu iria tornar-me, a partir daquele dia, sua mãe substituta. Joana partiu,o escondendo o pranto dos olhos sob as dobras de um véu negro e com as mãos sufocou os soluçs. Eu, longe de me consolar com a clara manifestação de inocente carinho de meu neto, desfiz-me em prato sobre o morno peito do pequeno órfão. O principezinho acariciou com os dedos o meu toucado em jeito de terno bálsamo. Ao voltar a olhar para ele, os seus claros olhos trouxeram-me a recordação indelével de meu amado filho recentemente falecido. Durante muitos dias, não pude deixar de pensar na simultaneidade dos nossos destinos. Ambos havíamos perdido os nossos progenitores antes de nascer e, em obediência às ordens dos reinos, éramos obrigados a permanecer onde estávamos, só que eu tinha tido a imensa sorte de continuar ao lado da minha adorada mãe, e ele, a riqueza de gozar de uma liberdade que a nós sempre fora negada.
Depois da morte de meu esposo,
recordo que assumi a regência agarrada a ele, com integridade e coragem, como
se naquele bem-amado principezinho pudesse abraçar todos os meus filhos mortos.
A sua mãe nunca mais o pôde voltar a ver, apenas o viu crescer através dos
retratos que todos os anos eu mandava pintar aos retratistas da corte, entre
eles o português Cristóvão Morais, enviando-os para Espanha. Ela respondia-lhe
com presentes que enviava através de Cristóvão Moura, cavaleiro português que
fora para Castela como menino da princesa Joana, quando a princesa
regressou de Portugal.
Passado o tempo, a dor e o
esgotamento levaram-me a abandonar o palácio, em 1562, procurando o único
consolo que podiaencontrar, mais perto de Deus, dentro deste convento. Teria
gostado de continuar ao lado de meu neto, de o criar e educar com todo o amor
de mãe de que sou capaz, até que atingisse a maioridade, mas quando fez oito
anos senti que estava na altura de me afastar. Perdera as forças. As amarguras
começavam a vergar-me e a minha vida apenas ressumava resignação e cansaço. Foi
então que compreendi que era preciso deixar o caminho livre para que outro ocupasse
o meu lugar. Verifiquei que já não me sentia capaz de continuar com a minha
tarefa de mãe substituta. Estava na hora de ceder o lugar a outra pessoa mais
forte do que eu, que pudesse guiar o principezinho pelo caminho certo da
formação, tanto física como espiritual, para que, chegada a altura, fosse um
monarca bom, digno e amado pelo povo.
Creio que o conseguiu. O seu
ideal de grandeza sempre o levou com verdadeiro entusiasmo a procurar os mais
altos valores, aqueles que possam tornar reais os maiores sonhos dos
Portugueses. Preparou-se com grande esforço e fervorosa fé cristã e creio que
Deus o iluminou e amparou até ao dia de hoje. No entanto, por vezes penso que o
seu excessivo idealismo e o seu misticismo lhe podem causar grandes desgostos.
A sua decisão de não contrair matrimónio espanta-me e inquieta-me ao mesmo
tempo. Não deseja casar-se para que ninguém ou nada influencie a sua preparação
como monarca. Treinado na arte da guerra e nas virtudes cavaleirescas, sonhou
desde criança com a glória de Portugal, e o reino adora-o tanto como eu. Na
solidão deste claustro, devo confessar que foi muito duro para mim afastar-me
dele. Mas, acreditem, não tinha forças para continuar, todos temos o nosso
tempo para servir os outros, mas o meu esgotou-se.
Após várias noites de vigília,
pálida e com olheiras, tomei a decisão. A minha sobrinha Maria foi a primeira a
sabê-lo. Depois, chamei Sebastião, fui-lhe dizendo devagar, como um condenado
quando se confessa, tentando prolongar o tempo que ainda lhe resta para a sua
execução, à procura do perdão. Ambos me compreenderam. Com grande alívio no meu
coração, renunciei à tutela do menino em favor do cardeai Henrique e entrei
nesta santa casa antes de terminar o ano do Senhor de 1562. Fi-lo, não com a
ideia de ser uma monja, mas como forma de me isolar do mundo e de permanecer
mais tempo em oração do que em tarefas e esforços. Creio que nesses dias tomei
a decisão mais acertada da minha vida. Eram tempos difíceis para o reino e para
a minha alma. Em Março, um exército marroquino tomara a praça de Mazagão e o
reino, que já vira com tristeza Portugal abandonar, entre 1541 e 1549, as
praças de Agadir, Azemur, Safi, Alcácer Ceguer e Arzila no país marroquino, viu
no pequeno herdeiro a sua própria salvação». In Yolanda Scheuber, Catarina de
Habsburgo, Rainha de Portugal, Ediciones Nowtilus, 2011, Casa das Letras, Oficina
do Livro, 2013, ISBN 978-972-462-077-0.
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