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Vale dos Reis. Luxor, Egipto
«(…)
Said ibn-Bassat, popularmente
conhecido como Cabeça de Cenoura por causa dos seus cabelos claros em tons de
cobre, era um velho amigo de Khalifa. Tinham-se conhecido anos antes, na
Universidade do Cairo, onde ambos estudavam história antiga. Problemas
financeiros forçaram Khalifa a abandonar os seus estudos e a aceitar o emprego
na polícia. Said, por outro lado, terminou o curso, licenciando-se com distinção,
e entrara para o Serviço de Antiguidades, onde foi promovido ao cargo de director-assistente
do Vale dos Reis. Embora ele nunca tenha dito isso, essa era a vida que Khalifa
teria escolhido para si, se a necessidade não o tivesse empurrado para outro
caminho. Ele adorava antiguidades e teria feito qualquer coisa para trabalhar
nas ruínas. Não que ele invejasse o seu amigo, é claro. Afinal o Cabeça de
Cenoura não tinha uma família como ele, que representava algo que Khalifa
jamais teria abandonado, nem por todos os monumentos do Egipto.
Os três partiram juntos para o vale,
passando pelos túmulos de Ramsés III e Horemheb, antes de prosseguirem à
direita e seguirem por um caminho que conduzia à entrada do túmulo de Amenófis
II, que se encontrava aos pés de um conjunto de escadas e protegido por um
pesado portão de ferro. Said começou a mexer no cadeado. Vai continuar fechado
durante quanto tempo?, perguntou Khalifa. Apenas mais um mês ou dois. O A
restauro está quase no fim. Ali abriu caminho entre os dois, andando na ponta
dos pés, espiando o que poderia haver na escuridão mais adiante. Há ali algum
tesouro? Creio que não, respondeu Said, tirando o menino do caminho e abrindo o
portão. Foi tudo roubado em tempos antigos.
Apertou um interruptor, e as luzes acenderam-se,
iluminando um longo e íngreme corredor talhado na rocha. As paredes e o tecto
ainda guardavam algumas das decifrações das antigas marcas esculpidas. Ali tomou a dianteira
e começou a descer. Sabem o que eu teria feito se tivesse sido rei do Egipto?, perguntou,
com a voz a ecoar no espaço pelo estreito espaço do túmulo. Metia todos os meus
tesouros numa câmara secreta bem escondida e tinha outra sala só com um
bocadinho dos tesouros, para enganar os ladrões…, como aquele de que me
falaste, pai, o Horror Ankamão. Hor-ankh-amun, corrigiu-o Khalifa, com um sorriso.
Pois! E depois faria armadilhas; assim,
se algum ladrão conseguisse entrar, seria capturado. E aí eu colocava todos
eles na prisão. Sorte deles então, disse Said, rindo. A punição habitual para
assaltantes de túmulos, no Egipto antigo, era ter o nariz arrancado e ser
enviado para as minas de sal da Líbia. Ou então eram empalados num ferro…
Piscou o olho para Khalifa, e, rindo, os
dois homens saíram pelo corredor, atrás de Ali. Andaram apenas alguns metros e
logo se ouviu o som de passos apressados atrás deles. Um homem de jilaba apareceu na entrada do túmulo, com a
respiração pesada, fazendo sombra ao brilhante rectângulo do céu da tarde.
O inspetor Khalifa está aqui?, perguntou,
ofegante. O detective olhou de relance para o amigo e então deu um passo em direcção à luz. Sou eu. Tem de vir
depressa ao outro lado. Foi encontrado um... O homem fez uma pausa, tentando
recuperar o fôlego. O quê?, perguntou Khalifa. O que foi encontrado? O homem
olhou para ele, os olhos bem abertos. Um corpo! A voz de Ali chegou-lhes do
fundo do corredor: fixe! Pai, também posso ir?» In Paul
Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN
978-972-253-056-9.
Cortesia de BEditora/JDACT