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e wikipedia
«(…) Houve um estranho rumor em
Highbury, dizendo que todos os filhos dos Perrys foram vistos com um pedaço do
bolo de casamento de Mrs. Weston nas mãos: mas Mr. Woodhouse jamais acreditou nisso.
Mr. Woodhouse apreciava a
sociedade à sua própria maneira. Gostava muito que os amigos viessem vê-lo; e
devido a vários factores, desde sua longa residência em Hartfield e sua natureza
afável, e também por sua fortuna, sua casa e sua filha, podia comandar em
grande parte as visitas de seu pequeno círculo de amigos conforme seus desejos.
Não tinha muito contacto com nenhuma família fora deste círculo. Seu horror às
horas tardias e aos grandes jantares festivos, tornava-o inadequado para
qualquer conhecido que não pudesse visitá-lo nos seus próprios termos. Para sua
felicidade, Highbury compreendia muitas propriedades, incluindo Randalls na mesma
paróquia e Donwell Abbey na paróquia vizinha, a casa de Mr. Knightley. Várias
vezes, devido à persuasão de Emma, ele convidava alguns dos melhores amigos
para jantar, mas preferia mesmo as festas nocturnas. E, a menos que estivesse
indisposto para receber visitas, era raro haver uma noite na semana em que Emma
não organizasse uma mesa de jogos para ele. Mr. Knightley e os Westons o
visitavam devido à sua verdadeira afeição e ao conhecimento de longa data.
Quanto a Mr. Elton, um jovem que vivia sozinho sem apreciar isso, não corria o
risco de ser mantido longe do privilégio de trocar qualquer noite livre da sua
vazia solidão pela elegância e sociabilidade da sala de estar de Mr. Woodhouse,
e os sorrisos da sua encantadora filha. Depois deste, vinha um segundo grupo.
Entre os mais assíduos estavam Mrs. e Miss Bates e também Mrs. Goddard, três
senhoras quase sempre à disposição para um convite de Hartfield, e que eram
buscadas e levadas em casa com tanta frequência, que Mr. Woodhouse não
considerava isso uma inconveniência, nem para James, nem para os cavalos. Se
isso acontecesse apenas uma vez por ano seria motivo de queixa.
Mrs. Bates, a viúva de um antigo
vigário de Highbury, era uma senhora bastante idosa, que já deixara quase tudo
para trás, menos o chá e quadrilha. Vivia de forma bastante modesta, com sua única
filha solteira, e era tratada com todo o respeito e consideração que merecia
uma velha e inofensiva dama vivendo em condições tão desfavoráveis. Sua filha
desfrutava do mais incomum grau de popularidade para uma mulher que não era nem
jovem, nem bonita, nem rica e nem casada. Miss Bates se encontrava na pior
situação do mundo para obter a boa vontade das pessoas; não possuía nenhuma
superioridade intelectual para compensar, nem para intimidar aqueles que
poderiam odiá-la, fazendo com que a respeitassem. Nunca ostentara nem beleza
nem inteligência. Sua juventude se passou sem distinção alguma, e na meia idade
devotava-se ao cuidado de uma mãe doente, e ao esforço de fazer com que o seu
pequeno rendimento durasse o mais possível. E, no entanto, era uma pessoa
feliz, alguém que todos mencionavam com palavras gentis. Era sua universal boa
vontade e temperamento alegre que produziam tais maravilhas. Ela gostava de
todos, interessava-se pela felicidade de todos, percebia logo os méritos das pessoas;
considerava-se a mais afortunada das criaturas, e rodeada de bênçãos por ter
uma mãe excelente, tantos bons amigos e vizinhos, e um lar onde nada faltava.
Sua natureza simples e alegre, seu temperamento contente e grato era uma
recomendação para todo mundo e uma fonte de alegria para ela mesma. Era óptima
para conversar sobre assuntos banais, falava sempre sobre trivialidades e
mexericos inofensivos, o que agradava bastante a Mr. Woodhouse.
Mrs. Goddard era a professora de
uma escola, não de um seminário, ou de um estabelecimento, ou qualquer lugar
que fosse denominado por longas e refinadas frases sem sentido, para combinar
conhecimentos liberais com elegante moralismo, em novos princípios e novos métodos,
e onde jovens ricas podiam ser despojadas de sua saúde em tributo à vaidade, mas
um verdadeiro, honesto e antiquado internato, onde uma quantidade razoável de conhecimentos
era vendida a preço razoável, e onde as meninas podiam ser mandadas para ficar fora
do caminho dos pais, e se depararem com uma educação moderada, sem nenhum
perigo de se tornarem prodígios. A escola de Mrs. Goddard tinha uma elevada
reputação, e bastante merecida; para Highbury era considerado um lugar
particularmente saudável: possuía uma casa e jardins amplos, fornecia comida
saudável às crianças, deixava-as correr bastante ao ar livre durante o verão, e
no inverno curava suas frieiras com as próprias mãos. Não era de se estranhar que
uma fila de vinte jovens casais caminhasse atrás dela para a igreja. Era uma
mulher do tipo simples e maternal, que trabalhara duro na juventude, e
acreditava ter direito a uma folga ocasional para uma visita na hora do chá.
Devia muito à bondade de Mr. Woodhouse anos atrás, portanto, sempre que podia,
atendia ao seu chamado, deixando sua organizada sala de sala de estar e seus
trabalhos de agulha para ganhar ou perder algumas poucas moedas de meio xelim diante
da sua lareira em Hartfield.
Estas eram as damas que Emma
podia reunir com frequência, e sentia-se feliz por agradar ao pai, apesar de
que, no que lhe dizia respeito, não havia remédio para a ausência de Mrs.
Weston. Ficava contente por ver o pai tranquilo e bastante satisfeita por planear
as coisas tão bem. A pacata conversa das três senhoras, no entanto, antecipava
uma daquelas longas noites sem atractivos que ela tanto temia.
Certa manhã, enquanto estava
sentada pensando exactamente que hoje seria uma destas noites, chegou um
bilhete de Mrs. Goddard, solicitando permissão, nos termos mais respeitosos, para
trazer consigo Miss Smith. Era um pedido bem-vindo, pois Miss Smith era uma moça
de dezassete anos, a quem Emma conhecia muito bem de vista, e que há muito
tinha interesse em conhecer pessoalmente, por conta de sua beleza. Um gracioso
convite foi enviado, e a bela dona da mansão deixou de temer o serão daquela
noite. Harriet Smith era a filha natural de alguém. Alguém a colocara, vários
anos atrás, na escola de Mrs. Goddard, e esse alguém mais tarde elevou-a da
condição de estudante mantida por uma bolsa de estudos à de pensionista,
vivendo com a directora da escola. Isso era tudo que se sabia da história dela.
Não tinha amigos conhecidos, a não ser os que fizera em Highbury, e agora acabava
de retornar de uma longa visita ao campo, como hóspede de algumas jovens damas
que foram suas colegas na escola.
Era
uma moça muito bonita, de uma beleza que Emma admirava particularmente. Era pequena,
roliça e de tez clara, com uma pele viçosa, olhos azuis, cabelos loiros, feições
regulares e um ar de grande doçura. Antes de a noite terminar Emma estava tão
contente com seus modos quanto com sua aparência, e bastante determinada a
continuar a amizade». In Jane Austen, Emma, 1815/1816, Relógio de
Água, 2016, ISBN 978-989-641-622-5.
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