quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

D. Maria I. Jenifer Roberts. «Enquanto a sua saúde se deteriorava, o rei João passava os dias a assistir a cerimónias religiosas na igreja patriarcal. A perna e o braço já paralisados começaram a inchar…»

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A Vida Notável de uma Rainha Louca
Infância Real (Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa)
«(…) Quando a família viajava de um palácio para o outro, a sua mobília e recheio de casa seguiam com ela: camas, mesas e cadeiras, tapeçarias e carpetes, espelhos, serviços de mesa, pratas e vidros. A corte não podia dar um passo sem levar consigo a mobília, escreveu um francês que viveu em Lisboa, porque a família não tem nada em mais do que um lugar ao mesmo tempo e não pode mudar de morada sem a levar sempre consigo, até mesmo as suas camas e a roupa de cama. Um número prodigioso de veículos, uma misturada de carruagens novas e velhas, era requisitado para cada viagem, assim como cavalos e mulas para as diferentes etapas. E quando chegavam ao destino, os criados tinham de trabalhar com grande rapidez para preparar o alojamento: camas e móveis montados, tapeçaria pendurada e outros tapetes estendidos no chão. Os cozinheiros suavam na cozinha para preparar a primeira refeição, enquanto os criados desempacotavam o guarda-roupa real. Nos estábulos, os cavalos e os arreios eram preparados e polidos porque a família iria levantar-se cedo, na manhã seguinte, ansiosa que estava por montar a cavalo e caçar.
A princesa dona Maria tinha apenas sete anos de idade quando o seu avô sofreu uma trombose que lhe paralisou o lado esquerdo do corpo. Foram feitas preces nas igrejas e conventos, os assuntos de Estado foram esquecidos e procissões religiosas encheram as ruas noite e dia a partir do instante em que adoeceu. Os médicos aconselharam-no a ir a banhos nas Caldas da Rainha, na esperança de que a imersão em águas quentes e sulfurosas o ajudassem a restaurar a saúde. Foi uma viagem de dez horas até à cidade termal, tendo a família partido a 9 de Julho de 1742, de barco pelo rio Tejo acima até Vila Nova da Rainha, onde carruagens esperavam para os levarem por terra até às Caldas.
Regressaram a Lisboa a 17 de Agosto. Seis semanas mais tarde, o rei sofreu novo ataque, um espasmo que o privou dos sentidos durante meia hora. Foram canceladas todas as aparições públicas, à excepção de um auto de fé, a 4 de Novembro, que durou catorze horas e foi uma fonte de fadiga para muitas pessoas com mais saúde que foram obrigadas a assistir. O rei João sofreu uma terceira trombose a 12 de Novembro e nunca mais deixou de manifestar tremuras violentas, que se repetiam quase todas as semanas e se prolongavam, às vezes, por dias inteiros.
Isto pôs fim às visitas regulares aos palácios na província, apesar de os médicos ainda acreditarem nos efeitos benéficos das termas e de a sua família o ter acompanhado às Caldas treze vezes em oito anos. De cada vez que faziam a viagem, o mobiliário real e os adereços viajavam com eles e sempre que o rei se sentia mal no caminho a comitiva inteira tinha de voltar para trás e regressar a Lisboa. A rainha tornou-se regente sempre que João estava demasiadamente doente para se reunir com os seus ministros, mas, na maioria das vezes, o soberano reservava os assuntos de Estado para si próprio. As queixas acerca da inexperiência de dona Maria Ana avolumavam-se, mas filho José, o príncipe herdeiro, recusava um papel mais activo, o que deixava a nobreza descontente. Sua Majestade está tão doente, escreveu o cônsul britânico, que, no melhor dos casos, dormita, sendo muito impertinente, não despachando nada, e, contudo, querendo que tudo passe pelas suas mãos.
Enquanto a sua saúde se deteriorava, o rei João passava os dias a assistir a cerimónias religiosas na igreja patriarcal. A perna e o braço já paralisados começaram a inchar consideravelmente, ao mesmo tempo que o monarca sofria de frequentes ataques de delírio. Em Setembro de 1749, o rei fez a sua última viagem às Caldas. Quando regressou a Lisboa a 6 de Outubro, estava, segundo o embaixador britânico, numa melancolia mais profunda do que de outras vezes, porque tinha alimentado a ideia de que morreria antes de ter os sessenta anos completos, já que nenhum príncipe da Casa de Bragança tinha atingido tal idade. Apesar dos seus presságios, o rei João sobreviveu ao seu sexagésimo aniversário, a 22 de Outubro. Quando o calor do Verão de 1750 chegou, ele permanecia deitado, inchado com o edema, mal se podendo mexer. O quarto estava cheio de padres e frades que recitavam orações e seguravam imagens sagradas, entre eles um jesuíta, Gabriel Malagrida, um homem tratado com reverência pelo casal real, que acreditava que ele fosse um santo ou profeta. O monarca João V morreu a 31 de Julho, ao fim de uma longa enfermidade, acompanhada de sintomas vários e extraordinários. Os médicos fizeram uma autópsia onde, como explicou o embaixador britânico, foi encontrada uma grande quantidade de água na cabeça e no peito, que se supõe ter sido provocada pelos médicos com grandes sangrias e outras evacuações». In Jenifer Roberts, D. Maria I, A Vida Notável de uma Rainha Louca, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-123-4.

Cortesia de CdasLetras/JDACT