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A Vida Notável de uma Rainha Louca
Infância
Real (Quem não viu Lisboa, não viu
coisa boa)
«(…) Quando a família viajava de um
palácio para o outro, a sua mobília e recheio de casa seguiam com ela: camas,
mesas e cadeiras, tapeçarias e carpetes, espelhos, serviços de mesa, pratas e
vidros. A corte não podia dar um passo sem levar consigo a mobília, escreveu um
francês que viveu em Lisboa, porque a família não tem nada em mais do que um
lugar ao mesmo tempo e não pode mudar de morada sem a levar sempre consigo, até
mesmo as suas camas e a roupa de cama. Um número prodigioso de veículos, uma
misturada de carruagens novas e velhas, era requisitado para cada viagem, assim
como cavalos e mulas para as diferentes etapas. E quando chegavam ao destino,
os criados tinham de trabalhar com grande rapidez para preparar o alojamento:
camas e móveis montados, tapeçaria pendurada e outros tapetes estendidos no
chão. Os cozinheiros suavam na cozinha para preparar a primeira refeição, enquanto
os criados desempacotavam o guarda-roupa real. Nos estábulos, os cavalos e os
arreios eram preparados e polidos porque a família iria levantar-se cedo, na
manhã seguinte, ansiosa que estava por montar a cavalo e caçar.
A princesa dona Maria tinha apenas
sete anos de idade quando o seu avô sofreu uma trombose que lhe paralisou o
lado esquerdo do corpo. Foram feitas preces nas igrejas e conventos, os
assuntos de Estado foram esquecidos e procissões religiosas encheram as ruas
noite e dia a partir do instante em que adoeceu. Os médicos aconselharam-no a
ir a banhos nas Caldas da Rainha, na esperança de que a imersão em águas
quentes e sulfurosas o ajudassem a restaurar a saúde. Foi uma viagem de dez
horas até à cidade termal, tendo a família partido a 9 de Julho de 1742, de
barco pelo rio Tejo acima até Vila Nova da Rainha, onde carruagens esperavam
para os levarem por terra até às Caldas.
Regressaram a Lisboa a 17 de Agosto.
Seis semanas mais tarde, o rei sofreu novo ataque, um espasmo que o privou dos
sentidos durante meia hora. Foram canceladas todas as aparições públicas, à
excepção de um auto de fé, a 4 de Novembro, que durou catorze horas e foi uma
fonte de fadiga para muitas pessoas com mais saúde que foram obrigadas a
assistir. O rei João sofreu uma terceira trombose a 12 de Novembro e nunca mais
deixou de manifestar tremuras violentas, que se repetiam quase todas as semanas
e se prolongavam, às vezes, por dias inteiros.
Isto pôs fim às visitas regulares aos palácios na
província, apesar de os médicos ainda acreditarem nos efeitos benéficos das
termas e de a sua família o ter acompanhado às Caldas treze vezes em oito anos.
De cada vez que faziam a viagem, o mobiliário real e os adereços viajavam com
eles e sempre que o rei se sentia mal no caminho a comitiva inteira tinha de
voltar para trás e regressar a Lisboa. A rainha tornou-se regente sempre que
João estava demasiadamente doente para se reunir com os seus ministros, mas, na
maioria das vezes, o soberano reservava os assuntos de Estado para si próprio.
As queixas acerca da inexperiência de dona Maria Ana avolumavam-se, mas filho José,
o príncipe herdeiro, recusava um papel mais activo, o que deixava a nobreza
descontente. Sua Majestade está tão doente, escreveu o cônsul britânico, que,
no melhor dos casos, dormita, sendo muito impertinente, não despachando nada,
e, contudo, querendo que tudo passe pelas suas mãos.
Enquanto
a sua saúde se deteriorava, o rei
João passava os dias a assistir a cerimónias religiosas na igreja patriarcal. A
perna e o braço já paralisados começaram a inchar consideravelmente, ao mesmo tempo que o monarca sofria de
frequentes ataques de delírio.
Em Setembro de 1749, o rei fez a sua
última viagem às Caldas. Quando regressou a
Lisboa a 6 de Outubro, estava, segundo o
embaixador britânico, numa melancolia mais profunda do que de outras vezes,
porque tinha alimentado a ideia de que morreria antes de ter os sessenta anos
completos, já que nenhum príncipe da Casa de Bragança tinha atingido tal idade.
Apesar dos seus presságios, o rei
João sobreviveu ao seu sexagésimo
aniversário, a 22 de Outubro. Quando o calor do Verão de 1750 chegou, ele permanecia deitado, inchado com o
edema, mal se podendo mexer. O quarto estava cheio de padres e frades que
recitavam orações e seguravam imagens sagradas, entre eles um jesuíta, Gabriel Malagrida, um homem tratado com reverência pelo casal
real, que acreditava que ele fosse um santo ou profeta.
O monarca João V morreu a 31 de Julho, ao
fim de uma longa enfermidade, acompanhada de sintomas vários e extraordinários.
Os médicos fizeram uma autópsia onde, como explicou o embaixador
britânico, foi encontrada uma grande quantidade
de água na cabeça e no peito, que se supõe ter sido provocada pelos médicos com
grandes sangrias e outras evacuações». In
Jenifer Roberts, D. Maria I, A Vida Notável de uma
Rainha Louca, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-123-4.
Cortesia
de CdasLetras/JDACT