domingo, 21 de junho de 2020

A História dos Treze. Honoré de Balzac. «Depois da morte de Napoleão, um acaso, que o autor deve calar, dissolveu os laços daquela existência secreta, curiosa, tanto quanto o pode ser o mais negro dos romances…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«A História dos Treze é a trilogia composta pelos romances Ferragus, A duquesa de Langeais e A menina dos olhos de ouro, textos completamente autónomos de Balzac, com histórias e personagens distintos. Em comum há a existência de uma sociedade secreta, Os Treze Devoradores, espécie de seita composta por treze amigos. O objectivo da fraternidade é todos se ajudarem mútua e secretamente, colocando a amizade acima de qualquer preceito moral e até mesmo da lei. Este tipo de sociedade, quase um ideal romântico, ocupava o imaginário do público francês, e as histórias envolvendo seitas secretas eram muito populares na época. Honoré de Balzac, muito mais do que seguir uma moda, criou três obras-primas que obtiveram enorme sucesso ao serem publicadas na década de 1830 como folhetim nos jornais parisienses».

«Houve sob o Império, em Paris, treze homens igualmente tocados pelos mesmos sentimentos, dotados de energia assaz grande para serem fiéis à mesma ideia, suficientemente probos para se não traírem uns aos outros, mesmo quando seus interesses se encontrassem em oposição, profundamente políticos para dissimularem os sagrados laços que os uniam, bastante fortes para se colocarem acima de todas as leis, audaciosos a ponto de tudo empreenderem e felizes de modo a obterem êxito, quase sempre, em seus desígnios; corriam os maiores perigos e sabiam calar as suas derrotas; inacessíveis ao medo, não sabiam o que fosse tremer nem diante do rei nem à frente do carrasco nem perante a inocência. Haviam-se associado tais como eram, sem levar em conta preconceitos sociais; criminosos, sem dúvida; mas assinalavam-se por algumas das qualidades que fazem os grandes homens e só se recrutavam entre pessoas de escol. Finalmente, para que nada faltasse ao sombrio e misterioso encanto desta história, permaneceram esses treze homens para sempre desconhecidos, embora tenham todos realizado as mais bizarras ideias sugeridas à imaginação pelo fantástico poderio falsamente atribuído aos Manfredos, aos Faustos, aos Melmoths; e todos, no presente, vencidos, pelo menos, dispersados, voltando tranquilamente ao jugo das leis civis, tal como Morgan, o Aquiles dos piratas, que, depois de ter sido o terror dos mares, se fez colono pacífico e desfrutou, sem remorsos, ao calor da lareira doméstica, os milhões acumulados no sangue, sob o rubro clarão dos incêndios.
da sra. Radcliffe. A estranha permissão para contar a seu modo algumas das aventuras desses homens, embora respeitando certas conveniências, só recentemente lhe foi dada por um desses heróis anónimos aos quais toda a sociedade esteve secretamente submetida, e no qual acredita ter surpreendido um vago desejo de celebridade. Tal homem, jovem ainda na aparência, de cabelos louros e olhos azuis, cuja voz suave e clara parecia denunciar uma alma feminina, era pálido de rosto e misterioso de maneiras, conversava com amabilidade, pretendia não ter mais que quarenta anos e podia pertencer às mais altas classes sociais. O nome que assumira parecia suposto; na sociedade, sua pessoa era desconhecida. Quem era? Ninguém o sabia. Confiando ao autor as coisas extraordinárias que lhe revelou, talvez quisesse o desconhecido vê-las de qualquer modo impressas e gozar as emoções que despertariam no coração do povo, sentimento análogo ao que agitava Macpherson ao ver o nome de Ossian, sua criatura, inscrever-se em todas as línguas. Era essa, decerto, para o advogado escocês, uma das sensações mais vivas, ou, pelo menos, das mais raras que os homens se possam permitir. Não é isso o incógnito do génio? Escrever o Itinerário de Paris a Jerusalém é tomar parte na glória humana de um século, mas dotar o seu país de um Homero não será usurpar o poder de Deus?
O autor conhece demais as leis da narrativa para ignorar os compromissos a que o obriga este curto prefácio, mas conhece bastante a História dos Treze para estar certo de jamais se encontrar aquém do interesse que deve inspirar tal programa. Foram-lhe confiados dramas gotejantes de sangue, comédias cheias de terror, romances em que rolam cabeças secretamente cortadas, e, se algum dos leitores não estivesse já farto dos horrores que vêm sendo servidos ao público há algum tempo, poderia revelar-lhe aqui frias atrocidades, surpreendentes tragédias de família, por pouco que lhe fosse testemunhado o desejo de conhecê-las; mas escolheu, de preferência, as aventuras mais suaves, aquelas em que cenas puras se sucedem a temporais de paixão e nas quais a mulher aparece radiosa de virtude e de beleza. Para honra dos Treze, encontram-se dessas aventuras na sua história, a qual talvez tenha um dia a glória de ser comparada à dos flibusteiros, essa gente à parte, tão curiosamente enérgica e tão atraente, apesar dos seus crimes». In Honoré de Balzac, A História dos Treze, 1833-1835, Edição LPM, 2008, ISBN 978-852-541-756-5.

Cortesia de ELPM/JDACT