O
Tesouro do Padre
«(…) Na década de 1930, eu morava
em Oxford, contou-nos ele. Na mesma rua, morava um figurão da Igreja Anglicana,
o cónego Alfred Lilley, com quem eu me encontrava todos os dias.
Alfred Leslie Lilley (1860-1948)
havia sido, até se aposentar em 1936, cónego e deão da catedral de Hereford.
Era um especialista em francês medieval e por esse motivo consultavam-no com
frequência quando se tratava de obras de difícil tradução.
As conversas diárias aproximaram
Lilley e Bartlett, e o cónego acabou confiando em Bartlett o bastante para lhe
contar uma história extraordinária. No início da década de 1890, um jovem
ex-aluno seu pediu-lhe que viajasse a Paris, para o seminário de Saint-Sulpice,
a fim de ajudar com a sua perícia na tradução de um estranho documento, ou
documentos, Bartlett já não se lembrava com exactidão, oriundo de uma fonte que
jamais foi divulgada. Em Saint-Sulpice, havia um grupo de especialistas cuja tarefa
era examinar todos os documentos que ali chegavam, tarefa realizada, Lilley
suspeitava, por encomenda de um cardeal do Vaticano. Os especialistas pediram
ajuda na tradução porque não conseguiam entender direito o texto. Talvez por
lhes parecer tão audacioso, supunham estarem equivocados.
Eles não sabiam o quanto era
impudentemente verdadeiro, lembrou-se Bartlett de ter ouvido de Lilley, e
explicou:
Lilley disse que eles não teriam
vida longa e feliz se certas pessoas descobrissem esse texto. Tratava-se de um
assunto muito delicado. Lilley riu só de pensar no que aconteceria quando os
padres franceses falassem disso a alguém. Ele não fazia ideia do fim que eles [os
documentos] levaram, mas achava que haviam sido trocados por muito dinheiro,
indo parar em Roma.
Na verdade, na opinião de Lilley,
a Igreja acabaria por destruí-los.
Lilley estava convencido da
autenticidade deles. Eram extraordinários e viravam do avesso muitas de nossas
ideias a respeito da Igreja. Na sua opinião, o contacto com o material conduzia
à não-ortodoxia. Lilley não sabia com certeza de onde os documentos haviam
surgido, mas acreditava que um dia tivessem passado pelas mãos dos hereges (?) cátaros
no sul da França, nos séculos XII e XIII, embora fossem muito mais antigos. Estava
convencido, ainda, de que em seguida à extinção dos cátaros, os documentos
haviam sido mantidos na Suíça até as guerras do século XIV, quando foram
levados para a França.
Já no final da vida, explicou
Bartlett, Lilley chegou à conclusão de que não havia nada nos Evangelhos de que
se pudesse ter certeza; perdera toda a convicção da verdade. Henry e eu ficámos
pasmados. Bartlett não era nenhum bobo. Não só era um ministro da Igreja com
mestrado numa das faculdades de Oxford, como também se formara em física e
química pela Universidade de Gales e em medicina também por Oxford. Pertencia
ao Royal College of Surgeons e ao Royal College of Physicians. Chamá-lo de
preparadíssimo era pleonasmo. Sem dúvida nutria admiração por Lilley, além de
respeitar profundamente o seu saber, e não tinha qualquer dúvida de que o amigo
descrevera com precisão o documento, ou os documentos, que vira na sua viagem a
Paris. Precisávamos estudar Lilley para ver se conseguíamos alguma informação adicional
quanto ao material sobre Jesus, e se era possível definir quem no seminário de
Saint-Sulpice e no Vaticano pudesse ter demonstrado interesse.
A
chave para entender o cónego Lilley foi o facto de ele se considerar um modernista
e ser autor de um livro sobre o movimento que exerceu extrema influência no
início do século XX. Os modernistas queriam rever as afirmações dogmáticas dos
ensinamentos da Igreja à luz das descobertas da ciência, da arqueologia e do
academicismo crítico. Muitos teólogos começavam a se dar conta de que a sua
confiança na validade histórica dos relatos do Novo Testamento era imerecida.
William Inge, deão da catedral de São Paulo, por exemplo, recebeu certa vez a
incumbência de escrever sobre a vida de Jesus. Recusou, dizendo que não havia,
nem de longe, indícios seguros para escrever o que quer que fosse sobre ele». In
Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN
978-852-091-898-2.
Cortesia
de ENFronteira/JDACT