Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Pensei em correr atrás dela,
segurar sua mão, sussurrar-lhe vamos, vamos embora daqui. Mas não me movi. Quem
se moveu foi Stefano, que, após um instante de incerteza, a alcançou passando entre
os casais que dançavam»
Olhei ao redor. Todos tinham
notado que algo contrariara a esposa. Mas Marcello continuava conversando de
modo cúmplice com Rino, como se fosse normal estar calçando aqueles sapatos. Os
brindes cada vez mais grosseiros do comerciante de metais prosseguiam. Quem se
sentia no fundo da hierarquia das mesas e dos convidados continuava tentando
fazer cara de paisagem. Enfim, ninguém, excepto eu, parecia perceber que o
casamento apenas celebrado, e que provavelmente duraria até à morte dos
cônjuges, entre muitos filhos, numerosíssimos netos, alegrias e dores, bodas de
prata, bodas de ouro, para Lila, não importa o que o marido fizesse para obter
seu perdão, já estava acabado.
Os factos no fim das contas me
decepcionaram. Sentei-me ao lado de Alfonso e Marisa, sem dar atenção às suas
conversas. Esperei sinais de revolta, mas nada aconteceu. Estar dentro da cabeça
de Lila era, como sempre, muito difícil: não a ouvi gritar, não a ouvi ameaçar.
Stefano reapareceu meia hora depois, muito cordial. Trocara de roupa, a mancha
esbranquiçada entre a fronte e os olhos desaparecera. Circulou entre parentes e
amigos esperando que a esposa chegasse e, quando ela retornou ao salão não mais
vestida de noiva, mas em roupa de viagem, um tailleur azul pastel, com botões claríssimos e um
chapeuzinho azul, foi logo ao seu encontro. Lila distribuiu os docinhos entre as
crianças pegando-os com uma colher de prata de um recipiente de cristal, depois
passou pelas mesas oferecendo as lembranças de casamento primeiro a seus
parentes e em seguida aos parentes de Stefano. Ignorou toda a família Solara e
até seu irmão Rino, que lhe perguntou com um sorrisinho ansioso: não gosta mais
de mim? Ela não respondeu e passou as lembranças a Pinuccia. Tinha o olhar ausente,
as maçãs do rosto mais marcadas que de costume. Quando chegou minha vez, me
ofereceu distraída, sem sequer um sorriso cúmplice, o cestinho de cerâmica
cheio de bem-casados envolvidos no tule branco.
Enquanto isso os Solara se
irritaram com a descortesia, mas Stefano remediou abraçando-os um a um com uma
bela expressão pacífica, murmurando: está cansada, é preciso ter paciência. Deu
até dois beijos em Rino, o cunhado fez uma expressão descontente, e o ouvir
dizer: não é cansaço, Sté, essa aí nasceu torta, e lamento por si. Stefano
respondeu sério: as coisas tortas se endireitam. Depois o vi correr atrás da
esposa que já estava na porta, enquanto a orquestra difundia sons embriagados e
muitos se aglomeravam para os últimos cumprimentos. Portanto nada de rupturas,
não escaparíamos juntas pelas estradas do mundo. Imaginei os noivos, bonitos,
elegantes, entrando no conversível. Dali a pouco chegariam à costa amalfitana,
a um hotel de luxo, e toda ofensa sangrenta se transmutaria num beicinho fácil
de ser apagado. Nenhuma reviravolta. Lila afastara-se de mim definitivamente e,
me pareceu de repente, a distância era de facto maior do que eu tinha imaginado.
Não havia apenas casado, não se
limitaria a dormir com um homem todas as noites para cumprir as obrigações
conjugais. Havia algo que eu não tinha entendido e que naquele momento me
pareceu flagrante. Dobrando-se à evidência de que seu marido e Marcello Solara
tinham selado sabe-se lá que acordo em torno da sua obra de infância, Lila
admitira que gostava mais dele que de qualquer outra pessoa ou coisa. Se ela já se rendera, se já tinha digerido aquela
afronta, a ligação com Stefano devia ser realmente forte. Ela o amava, o amava
como as meninas das fotonovelas. Durante o resto da vida lhe sacrificaria todas
as suas qualidades, e ele nem sequer se daria conta do sacrifício, teria em
torno de si a riqueza de sentimentos, de inteligência e de fantasia que a
caracterizava sem saber o que fazer com isso, simplesmente a esgotaria. Eu,
pensei, não sou capaz de amar ninguém assim, nem mesmo Nino, só sei passar o
tempo sobre os livros». In Elena Ferrante, História do Novo Nome,
2011, Relógio d’Água, 2015, ISBN 978-989-641-544-0.
Cortesia de Rd’Água/JDACT