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Início
de uma vida épica
Lisboa.
Maio de 1459
«(…) Os presentes aplaudiram com
convicção as palavras seguras do infante, alcaide-mor de Silves, imaginando o
enorme empreendimento que se lhes afigurava e as colossais dificuldades que
teriam de enfrentar, mas espelhavam-se nos seus semblantes os sonhos de glória
e riquezas numerosas que desta aventura comum adviriam. Desde 1453, o mundo
estava em mudança. Os otomanos haviam conquistado Constantinopla e, em conjunto
com os mamelucos, bloqueavam todo o comércio com o Oriente. Chegar à Índia, rodeando
África, permitiria o estabelecimento de rotas comerciais alternativas e
rentáveis. El-rei Afonso V congeminava ligar pelo mar Portugal à fonte das
especiarias, com base em todo o avanço que o seu tio, o infante Henrique, havia
conseguido. A bula Romanus Pontifex, do Papa Nicolau V de 8 de Janeiro
de 1455, confirma a pertença a Portugal de todas as terras e mares descobertos a
sul do Bojador, permitindo a cobrança de impostos sobre a navegação e o
comércio.
Os embaixadores de Portugal,
liderados pelo doutor João da Silveira, chanceler-mor de Afonso V dirigiram-se
a Roma para a negociação com o Papa. Esta embaixada estava envolvida no acordo para
uma cruzada, com vista a libertar Constantinopla. A viagem foi utilizada pela
comitiva portuguesa para, em Veneza, contactar Fra Mauro, monge camaldulense,
tendo em vista as descobertas. O encontro, previamente agendado, tinha como
finalidade uma encomenda, em nome do rei e a pedido do infante Henrique: a
realização de um mapa que abarcasse tudo o que se sabia sobre o mundo. A
negociação chegou a bom porto, o preço foi acordado, o rei de Portugal pagaria
trinta ducados por tão ambicionado mapa-mundi. Segundo constava, o infante Pedro
terá sido o precursor destas relações com os cosmógrafos europeus, aquando das
suas viagens pela Europa. Num desses périplos pelas capitais europeias,
trouxera de Veneza um livro manuscrito, de Marco Polo, onde se relatavam as suas
fantásticas viagens pela Ásia, acicatando a curiosidade da Corte lusa. Moldado
pelos ventos de mudança que sopravam na Europa, o infante editou um livro com o
título Virtuosa Benfeitoria, tratado de política social, desagradando à
nobreza.
Fra Mauro, considerado pelo
infante Henrique o maior cartógrafo de todos os tempos, era, por certo, aquele
que reunia um estádio de maior avanço científico e técnico, para levar de
vencida a tarefa que lhe incumbiam. Ele e o seu assistente, Andrea Bianco, navegador-cartógrafo,
criaram minuciosamente um planisfério, com base nas informações recolhidas por
todo o mundo conhecido. A execução do mapa terminou depois de um longo trabalho
de precisão e clausura. A preciosa encomenda acabaria por sair do mosteiro de
São Miguel de Murano aos 24 dias do mês de Abril do ano de 1459. Fra Mauro viu
da janela do mosteiro a partida da barca, enquanto enchia os pulmões da fresca
maresia. Entre silvos estridentes e braços robustos desfraldando a vela latina,
fez-se ao mar à bolina, enfrentando o vento adverso. A bordo da embarcação, já
devidamente instalado, estava o nobre encarregue de fazer chegar ao
destinatário o valioso manufacto que transportava. Enviado a Lisboa, Stefano Travisan
segurava com desvelo o magnífico trabalho, almejando já, a praia do Restelo,
para assim cumprir o seu desígnio.
O infante Henrique, depois que
tomou posse da valiosa encomenda e antes de rumar ao Algarve, usufruiu, por
mais alguns dias, da proximidade da família. O conforto que lhe trazia a
presença dos seus familiares era um alento para as demandas a sul, onde
estariam à espera das novas orientações para futuras empresas, promissoras de um porvir de glória. O príncipe João correu
ao seu encontro, cuidando que o tio-avô Henrique lhe contasse uma das suas muitas
histórias de bravos marinheiros e de velas audazes, ostentando a cruz de
Cristo. O infante sentou-o no joelho direito e dispôs-se a contar uma história ao
pequeno João». In Luís Barriga, Em Nome D’El Rey, Clube do Autor, Lisboa, ISBN
978-989-724-448-3.
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