quinta-feira, 4 de junho de 2020

Em Nome D’El Rei. Luís Barriga. «Segundo constava, o infante Pedro terá sido o precursor destas relações com os cosmógrafos europeus, aquando das suas viagens pela Europa. Num desses périplos pelas capitais europeias…»

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Início de uma vida épica
Lisboa. Maio de 1459
«(…) Os presentes aplaudiram com convicção as palavras seguras do infante, alcaide-mor de Silves, imaginando o enorme empreendimento que se lhes afigurava e as colossais dificuldades que teriam de enfrentar, mas espelhavam-se nos seus semblantes os sonhos de glória e riquezas numerosas que desta aventura comum adviriam. Desde 1453, o mundo estava em mudança. Os otomanos haviam conquistado Constantinopla e, em conjunto com os mamelucos, bloqueavam todo o comércio com o Oriente. Chegar à Índia, rodeando África, permitiria o estabelecimento de rotas comerciais alternativas e rentáveis. El-rei Afonso V congeminava ligar pelo mar Portugal à fonte das especiarias, com base em todo o avanço que o seu tio, o infante Henrique, havia conseguido. A bula Romanus Pontifex, do Papa Nicolau V de 8 de Janeiro de 1455, confirma a pertença a Portugal de todas as terras e mares descobertos a sul do Bojador, permitindo a cobrança de impostos sobre a navegação e o comércio.
Os embaixadores de Portugal, liderados pelo doutor João da Silveira, chanceler-mor de Afonso V dirigiram-se a Roma para a negociação com o Papa. Esta embaixada estava envolvida no acordo para uma cruzada, com vista a libertar Constantinopla. A viagem foi utilizada pela comitiva portuguesa para, em Veneza, contactar Fra Mauro, monge camaldulense, tendo em vista as descobertas. O encontro, previamente agendado, tinha como finalidade uma encomenda, em nome do rei e a pedido do infante Henrique: a realização de um mapa que abarcasse tudo o que se sabia sobre o mundo. A negociação chegou a bom porto, o preço foi acordado, o rei de Portugal pagaria trinta ducados por tão ambicionado mapa-mundi. Segundo constava, o infante Pedro terá sido o precursor destas relações com os cosmógrafos europeus, aquando das suas viagens pela Europa. Num desses périplos pelas capitais europeias, trouxera de Veneza um livro manuscrito, de Marco Polo, onde se relatavam as suas fantásticas viagens pela Ásia, acicatando a curiosidade da Corte lusa. Moldado pelos ventos de mudança que sopravam na Europa, o infante editou um livro com o título Virtuosa Benfeitoria, tratado de política social, desagradando à nobreza.
Fra Mauro, considerado pelo infante Henrique o maior cartógrafo de todos os tempos, era, por certo, aquele que reunia um estádio de maior avanço científico e técnico, para levar de vencida a tarefa que lhe incumbiam. Ele e o seu assistente, Andrea Bianco, navegador-cartógrafo, criaram minuciosamente um planisfério, com base nas informações recolhidas por todo o mundo conhecido. A execução do mapa terminou depois de um longo trabalho de precisão e clausura. A preciosa encomenda acabaria por sair do mosteiro de São Miguel de Murano aos 24 dias do mês de Abril do ano de 1459. Fra Mauro viu da janela do mosteiro a partida da barca, enquanto enchia os pulmões da fresca maresia. Entre silvos estridentes e braços robustos desfraldando a vela latina, fez-se ao mar à bolina, enfrentando o vento adverso. A bordo da embarcação, já devidamente instalado, estava o nobre encarregue de fazer chegar ao destinatário o valioso manufacto que transportava. Enviado a Lisboa, Stefano Travisan segurava com desvelo o magnífico trabalho, almejando já, a praia do Restelo, para assim cumprir o seu desígnio.
O infante Henrique, depois que tomou posse da valiosa encomenda e antes de rumar ao Algarve, usufruiu, por mais alguns dias, da proximidade da família. O conforto que lhe trazia a presença dos seus familiares era um alento para as demandas a sul, onde estariam à espera das novas orientações para futuras empresas, promissoras de  um porvir de glória. O príncipe João correu ao seu encontro, cuidando que o tio-avô Henrique lhe contasse uma das suas muitas histórias de bravos marinheiros e de velas audazes, ostentando a cruz de Cristo. O infante sentou-o no joelho direito e dispôs-se a contar uma história ao pequeno João». In Luís Barriga, Em Nome D’El Rey, Clube do Autor, Lisboa, ISBN 978-989-724-448-3.

Cortesia de CdoAutor/JDACT