Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Numa extremidade da casa,
além do salão, haveria um quarto pequeno, que era o que as filhas de conde
exigiam então, por serem finas demais para dormir com os homens, as serviçais e
os cães de caça. A cozinha seria um prédio separado, já que mais cedo ou mais
tarde todas pegavam fogo, e não restava nada a fazer senão construí-las longe
de tudo mais e tolerar a comida morna. Tom estava fazendo o vão da porta. As
vigas seriam arredondadas a fim de parecer colunas, um toque de distinção para
os nobres recém-casados que iriam morar ali. Com o olho no gabarito de madeira
que estava usando como guia, Tom ajustou a talhadeira de ferro obliquamente na
pedra e golpeou-a com delicadeza, usando o grande martelo de madeira. Uma chuva
de fragmentos caiu da superfície, deixando a forma um pouco mais redonda. Ele
bateu de novo. Liso o bastante para uma catedral.
Tinha trabalhado numa catedral
uma vez, Exeter. No princípio havia encarado aquele trabalho como outro
qualquer. Sentira-se furioso e ressentido quando o mestre construtor
advertira-o de que não estava correspondendo ao padrão desejado: sabia que era
um pedreiro muito mais cuidadoso do que a média. Entretanto percebera depois
que as paredes de uma catedral não precisavam ser apenas boas, mas perfeitas.
Além de a catedral se destinar a Deus, a construção era tão grande que a menor
obliquidade nas paredes, o mais ínfimo desvio do nivelamento absoluto,
enfraqueceria fatalmente a estrutura. O ressentimento de Tom transformou-se em
fascinação. A combinação de um prédio demasiado ambicioso com uma impiedosa
atenção ao menor dos detalhes abriu-lhe os olhos para o prodígio do seu ofício.
Aprendeu com o mestre de Exeter a importância da proporção, o simbolismo de
vários números e as fórmulas quase mágicas para calcular a largura correcta de
uma parede ou o ângulo de um degrau numa escada espiralada. Essas coisas o
cativaram. Ficou surpreso ao saber que muitos pedreiros as achavam incompreensíveis.
Após algum tempo Tom tornou-se o
homem de confiança do mestre construtor, e foi quando começou a ver as
deficiências dele. O homem era um grande artesão, mas um organizador
incompetente. Ficava aturdido com os problemas de obter a quantidade certa de
pedra para acompanhar o ritmo dos pedreiros, de verificar se o ferreiro tinha
feito o número suficiente das ferramentas adequadas, de queimar cal e
transportar areia para a argamassa, de derrubar árvores para os carpinteiros e
de conseguir com a igreja dinheiro suficiente para pagar tudo. Se houvesse
ficado em Exeter até que o mestre construtor morresse, poderia ter-se tornado
mestre também; porém, a assembleia que dirigia a igreja ficou sem dinheiro, em
parte por causa do mau gerenciamento do mestre, e os artífices tiveram que se
dispersar, procurando trabalho em outra parte. Ofereceram a Tom o posto de
construtor do castelão de Exeter, reparando e aperfeiçoando as fortificações da
cidade. Um trabalho para toda a vida, salvo algum acidente. Contudo Tom
rejeitara a oferta, pois queria construir outra catedral.
Sua mulher, Agnes, jamais
compreendera essa decisão. Podiam ter tido uma boa casa de pedra, criados e
estábulos próprios, assim como carne na mesa em todas as refeições; nunca
perdoara Tom por ter rejeitado a oportunidade. Não era capaz de compreender a
atracção irresistível de construir uma catedral: a absorvente complexidade de
organização; o desafio intelectual dos cálculos; o tamanho puro e simples das
paredes; a grandeza e beleza emocionantes do prédio acabado. Tendo provado uma
vez desse vinho, nunca mais Tom se satisfez com menos. Aquilo fora dez anos
antes. Desde então não se tinham demorado em parte alguma por muito tempo. Nada
além de projectar uma nova casa para o cabido de um mosteiro, trabalhar um ou
dois anos num castelo, ou construir uma casa na cidade para um rico mercador;
porém, assim que economizava o bastante, deixava tudo, e com mulher e filhos
pegava a estrada, procurando outra catedral». In Ken Follett, Os Pilares da
Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.
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