Cortesia
de wikipedia e jdact
Maia.
22 de Junho de 2007
«(…) Com dedos trémulos, procurei
o seu número na minha lista de contactos e fiz a ligação. Quando a sua
secretária eletrónica atendeu, eu não soube o que dizer, excepto algumas
palavras distorcidas pedindo que me ligasse de volta. Ela estava em algum lugar
na região montanhosa da Escócia, trabalhando num centro que cuidava de
cervídeos doentes e órfãos. Quanto às minhas outras irmãs…, eu sabia que as suas
reacções iriam variar, pelo menos em aparência, da indiferença a uma efusão
dramática de emoção. Considerando que eu não tinha certeza, naquele momento, de
onde eu estaria na escala de dor quando falasse com qualquer uma delas, decidi
agir como uma covarde e enviar uma mensagem de texto a todas, pedindo para me
ligarem assim que possível.
Apressadamente, arrumei a mala e desci
as escadas estreitas até à cozinha para escrever um bilhete a Jenny, explicando
porque tive que partir com tanta pressa. Decidindo arriscar as ruas de Londres
e chamar um táxi, deixei a casa e caminhei rapidamente pela Chelsea Crescent
como qualquer pessoa normal faria num dia normal. Acredito até que tenha dito
olá para alguém que passeava com um cachorro, ao cruzar com ele na rua, e
consegui sorrir. Ninguém saberia o que havia acabado de acontecer comigo,
pensei, enquanto conseguia um táxi na movimentada King’s Road e entrava no
veículo, indicando Heathrow como destino. Ninguém saberia. Cinco horas depois,
no momento em que o sol começava a se pôr tranquilamente sobre o Lago Léman, cheguei
ao nosso pontão particular na orla, de onde seguiria para a última parte da
minha jornada de volta para casa.
Christian já estava esperando na
nossa lancha Riva. Pela expressão no seu rosto, deduzi que já sabia da notícia.
Como vai, mademoiselle Maia?, ele perguntou com compaixão nos seus olhos azuis,
ajudando-me a embarcar na lancha. Estou…, feliz por estar aqui, respondi com
neutralidade, dirigindo-me ao outro lado do barco e sentado sobre o assento de
couro macio que ocupava toda a extensão da popa. Geralmente me sentaria com
Christian no banco do passageiro enquanto acelerávamos sobre as águas calmas numa
viagem de vinte minutos. Mas, hoje, ambos respeitamos minha privacidade. Assim
que Christian deu a partida ao motor potente, o sol reflectiu nas janelas das
casas fabulosas que se alinhavam às margens do Lago Léman. Frequentemente eu
sentia, ao fazer essa viagem, que estava entrando num mundo etéreo, alheio à realidade.
O mundo de Pa
Salt.
Notei a primeira evidência vaga
de lágrimas brotando nos meus olhos quando pensei no apelido carinhoso do meu
pai, que inventei quando era criança. Ele sempre fora apaixonado por velejar e,
com frequência, quando voltava para a nossa casa no lago, cheirava a ar fresco
e ao mar. De algum jeito, o apelido pegou, e as minhas irmãs mais jovens também
o usavam. Enquanto a lancha ganhava velocidade e a brisa morna corria pelos
meus cabelos, pensei nas centenas de viagens que já fizera para Atlantis, o
castelo de conto de fadas de Pa Salt. Impossível ter acesso por terra, devido à
sua posição num promontório particular e uma meia-lua de terreno montanhoso se
erguendo por detrás da casa, o único meio de chegar a Atlantis era de barco. Os
vizinhos mais próximos estavam a quilómetros de distância ao longo do lago,
fazendo de Atlantis o nosso reino particular, separado do resto do mundo. Tudo
o que o lugar continha era mágico…, como se Pa Salt e nós, suas filhas, vivêssemos
sob um encantamento.
Cada uma de nós havia sido
escolhida por Pa Salt quando éramos bebés, adoptadas pelos quatro cantos do globo
e trazidas para viver sob sua protecção. E cada uma de nós, como Pa gostava de
dizer, era especial, diferente…, suas meninas. Ele nos baptizou com o nome das
Sete Irmãs, sua constelação favorita. Eu, Maia, a primeira e a mais velha. Quando
era mais jovem, ele me levava ao seu observatório coberto por um domo de vidro
no topo da casa, me levantava com as suas mãos fortes e grandes e me deixava
olhar para o céu nocturno através do seu telescópio. Lá estão elas, ele dizia
enquanto alinhava as lentes. Olhe, Maia, veja a bela estrela brilhante que te deu
o seu nome. E eu olhava. Enquanto ele explicava as lendas que eram a fonte do
meu nome e do nome das minhas irmãs, eu não prestava muita atenção, mas
simplesmente apreciava seus braços apertados ao meu redor, levemente ciente
daquele momento raro em que o tinha apenas para mim. Finalmente reconheci
Marina, que eu pensava ser minha mãe enquanto crescia, até mesmo abreviei o seu
nome para Ma, como ama contratada por Pa para cuidar de mim, visto que ele
passava muito tempo longe. Porém, Marina era muito mais do que isso para todas
nós. Era ela quem enxugava as nossas lágrimas, nos repreendia pela falta de
modos à mesa e nos guiava calmamente pela difícil transição da infância para a
vida adulta.
Em poucas palavras, sempre esteve
ao nosso lado.
Eu não poderia tê-la amado mais,
mesmo se ela fosse minha mãe biológica. Durante os três primeiros anos da minha
infância, Marina e eu vivemos sozinhas no nosso castelo mágico às margens do
Lago Léman, enquanto Pa Salt viajava pelos sete mares para administrar os seus
negócios. E então, uma a uma, minhas irmãs começaram a chegar. Geralmente, Pa
me trazia um presente sempre que retornava para casa. Eu ouvia o motor da
lancha se aproximando, corria pelo relvado e através das árvores até ao píer
para abraçá-lo assim que descesse da lancha. Como qualquer criança, queria ver
o que ele tinha escondido nos seus bolsos mágicos para me agradar. Certa vez,
contudo, depois de me presentear com uma rena perfeitamente talhada em madeira,
que ele garantiu ser da oficina de São Nicolau, no Polo Norte, uma mulher
uniformizada desceu da lancha atrás dele. Nos seus braços havia um montinho
embrulhado num xaile. E o montinho estava mexendo-se». In Lucinda Riley, As Sete Irmãs,
2014, Editora In, 2017, ISBN 978-989-648-906-9.
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