Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Logo na saída de Roncesvalles está um dos muitos emblemas
do Caminho, que chamam de Cruz do Peregrino, uma cruz do século XIV, com
a figura de Sancho, o Forte, com 2,2 metros, que teria sido a sua altura, e da
sua esposa, Clemência. O corpo do monarca, que venceu batalhas importantes para
o cristianismo e morreu em 1234, está numa capela ao lado do claustro da
Colegiata.
Com
a mochila nas costas, cajado e a máquina fotográfica pendurada no pescoço,
voltou para a trilha e apressou o passo para tentar chegar a Larrasoana antes do
escurecer, mas, para isso, precisava recuperar o tempo perdido com o
depoimento. Durante centenas de anos milhões de pessoas irrigaram aquele mesmo
trajecto com suor, esperanças e temores. O cansaço, o desespero dos que se
perdiam, o medo das sombras que ocultavam todo o tipo de perigo, as curas e os
relatos de factos misteriosos foram gerando lendas e milagres.
Essa
percepção de que estava iniciando um roteiro único no mundo tomou conta dele e
o fez esquecer o assassinato do padre. Sentia-se privilegiado e orgulhoso por
enfrentar de novo o desafio dessa caminhada, como se a energia de todos aqueles
que por ali passaram o contagiasse. Um peregrino o saudou com o cumprimento
tradicional do Caminho: Ultreia
et suseia! E ele
respondeu: Ultreia!
Essas
expressões originam-se do latim. Ultreia é formada por duas palavras, ultra (mais) e eia (lá), enquanto
que suseia
significa mais alto, para cima. São expressões tiradas de uma antiga
canção basca, citada no Código Calixtino, de Aymeri.
Hoje,
no entanto, a saudação que os peregrinos ouvem durante várias vezes ao dia é: Buen Camino.
Da
solidão e do medo, surgem os fantasmas, e antigamente os peregrinos se
assustavam com as bruxas que acompanhavam o ruído dos ventos que vinham dos
bosques de Irati. Os locais acreditavam que, quando o vento soprava através do
bosque, apareciam bruxas com um sudário acompanhando um esqueleto que trazia
sobre o crânio uma coroa real. Quando a mãe de Henrique IV foi envenenada em
Paris, seu corpo foi tomado pelas lãmias, monstros
com corpo de dragão e rostos de mulheres bonitas, e desde então elas fazem
cavalgadas no bosque de Irati, carregando o corpo da rainha.
O
peregrino não atravessa esses bosques, que ficam à esquerda do Caminho, mas a
sua proximidade desperta receios que se escondem no fundo da mente e escolhem
momentos turvos para vir à tona. Havia uma ameaça implícita naquela charada e a
insegurança o mantinha alerta.
Depois
de passar por Burguete e Espinhal, atravessou os bosques do Meskiritz,
saboreando de novo a solidão da trilha monótona escondida sob o arvoredo das
montanhas. Os ruídos da floresta e as sombras, que se moviam com o balançar dos
galhos, às vezes o assustavam, mas aos poucos foi se acostumando com os códigos
da natureza. Perto das quatro horas da tarde chegou a Zubiri, vilarejo que
significa povo da Ponte em euskera, a língua basca. Logo na chegada, o
peregrino atravessa uma ponte gótica chamada Ponte da Raiva, porque os antigos
criadores acreditavam que, fazendo os animais dar três voltas ao redor dela,
eles se livravam dessa doença.
Teria
ainda mais cinco quilómetros até Larrasoana, onde pretendia chegar antes do
escurecer. Vencera as trilhas difíceis do Alto de Meskiritz e do Alto do Erro.
Atravessara bosques onde antigamente se escondiam bandidos e animais selvagens,
e respirara o ar puro de um dia agradável, parando às vezes para comer um pouco
de amoras silvestres da beira do Caminho e contemplar as paisagens distantes
das quais ia em breve fazer parte.
Desde
que se envolvera na trama do O Conceito Zero e denunciara o grupo que pretendia proclamar
a independência da Amazónia, separando-a do Brasil, pensava que ainda poderia
ser vítima de alguma represália. Passara a ficar mais atento e tudo lhe parecia
suspeito. A organização que havia tentado a divisão do Brasil não era composta
apenas das pessoas que foram presas.
Não
conseguia também tirar da cabeça a menina de 12 anos que poderia ter sido
brutalmente violentada pelo assassino. Sim, sem dúvida que o espanhol não caíra
no precipício por algum descuido, e aquele cajado, com ponta de metal como se
fosse uma espada, levava à suspeita de que fora preparado para
eliminar o pobre homem. Mas porquê?
Só para violentar a menina? Um assassino comum faria isso». In AJ Barros, O Enigma de Compostela,
Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.
Cortesia de
GEditorial/JDACT