Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Embora já esperasse por essa resposta, a informação o
assustou. Baixou a cabeça e o cheiro de enxofre espalhou-se por toda a
paisagem. Passaram-se uns minutos e o inspector mostrou-lhe uma foto da garota.
Esta fotografia foi tirada em Majorca, no mês de Julho, onde ela estava de
férias com os pais. Uma menina bonita, de biquíni, com o corpo já salientando
as curvas da adolescência e cheia de sonhos na sua face sorridente, fazia pose,
perto de uma barraca fincada na areia da praia. Só damos valor ao repouso
quando estamos cansados. Maurício tirou o gorro de pano verde e amarelo da
cabeça e enxugou o rosto com o lenço. Encostado no barranco, sem a mochila nas
costas, que vinha carregando como se fosse uma corcunda, olhava para aqueles
campos amarelos de trigo já ceifado, sem saber no que pensar. Ao longe, os
Pirenéus exibiam seus majestosos picos contra o horizonte, mas o detective não
estava interessado em paisagem. Sua percepção no caso é que o assassino pode ter
uma missão, pois um tipo violento como ele somente conteria os seus instintos
animalescos em relação à menina por alguma razão superior. Se ele ficasse ali
para satisfazer seus instintos sexuais,
poderia surgir alguém e prejudicar a sua missão. Acho que foi esse o seu
raciocínio em Roncesvalles. Maurício não respondeu. Olhava para as elevações no
meio do vale, onde pequenos vilarejos pareciam se esconder à sombra de suas
imensas igrejas.
Podemos
ir conversando, se aceitar minha companhia. Admito que o comandante não
gostaria de eu estar aqui, trocando ideias com um peregrino estrangeiro sobre
matéria de investigação criminal em curso, mas o seu raciocínio me trouxe
questionamentos que não posso desprezar. Havia qualquer coisa de misterioso
naquele encontro com o detective, que parecia ao mesmo tempo agradecido e
desconfiado. Era melhor tê-lo por perto e conseguir informações.
Caminharam
até ao alto do morro, onde uma linha de grandes torres de ventiladores gigantes
para a geração de energia eólica, fora instalada no espigão do Monte del
Perdon, e ali ficaram como se fossem Quixote e Sancho Pança se preparando para
investir contra moinhos de vento. Um estranho monumento, com peregrinos
dispostos como se fossem cavaleiros andantes, justificava a inscrição que
dizia: o caminho do
vento se cruza com o caminho das estrelas. O policial retomou o assunto
que o levara àquele encontro: tenho a impressão de que alguma coisa mais o
incomoda. Em Roncesvalles, o senhor desenvolveu um raciocínio de quem não
estava apenas dando uma opinião. Já temos três homicídios, e a sua conclusão de que o
assassino deu o golpe na perna traseira do burrico foi comprovada. Chegou mesmo
a adivinhar que era a perna direita. Não estava orgulhoso com os elogios. Um
novo perigo, ainda desconhecido, parecia estar surgindo diante dele. Talvez
fosse mais prudente cooperar com o Chefe de Investigação do Distrito de
Pamplona. Era previsível que ele queria que o burrico caísse no precipício. O
animal era muito pesado para um homem sozinho erguê-lo ou mesmo arrastá-lo. Com
certeza levantou os corpos do homem e da menina e os jogou no precipício, mas
não podia fazer isso com o burrico. Por outro lado, não podia deixar o burrico
ali, com a perna cortada porque era arriscado, então ele preparou as coisas de
modo que o burrico se arrastasse barranco abaixo. O calor era abrandado por uma
brisa fresca que descia o morro e corria pelos prados cultivados.
Ia
saindo de Saint-Jean-Pied-de-Port quando ouvi alguém dizer: brasileno, no? Sei que o Caminho é cheio de
brasileiros, mas de qualquer forma registei o facto. Depois, uma mulher subiu o
morro, no mesmo ritmo que eu, e estava quase morta de cansaço quando paramos.
Parecia que estava seguindo ou fugindo de alguma coisa. Adquiri o hábito de
observar detalhes. Ele reconheceu a bandeira brasileira no seu gorro, imagino.
A
questão é que a bandeira estava do lado oposto, e é um emblema pequeno, difícil
de ser identificado na distância em que o espanhol estava, como pode ver. E
tirou o gorro da cabeça, passando-o para o detective. Tem razão. Então, em sua
opinião, ele já o estava esperando. Mas, porquê? Não sei se era por mim que
esperava ou por outra pessoa, mas estava prevenido. Seria interessante saber o
que esse padre fez naquele dia. Se, por exemplo, ele teve de visitar algum
doente ou executar alguma tarefa que o fez sair da cidade e percorrer uma parte
do Caminho. Não pode ter ido a lugar distante. Acredito que ele possa ter visto
ou ouvido alguma coisa e o assassino o seguiu para saber quem era aquele intruso.
Por acaso está sugerindo que o padre não se afastara muito de Roncesvalles
porque, se o tivesse feito teria sido morto fora da cidade? É um raciocínio
interessante.
Não
era conveniente falar, por enquanto, sobre as suas descobertas com o ferreiro
em Zubiri. Estava se intrometendo numa investigação policial em território
estrangeiro e já cometera o erro de sugerir que o espanhol estava esperando por
ele. Por outro lado, já estava sendo vigiado, como indicava o aparecimento
desse detective, e era melhor mostrar
cooperação». In AJ Barros, O Enigma de Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial,
2009, ISBN 978-856-150-127-3.
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GEditorial/JDACT