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Quando Érica saiu do carro e sentiu o vento da noite no rosto, olhou
enfeitiçada para a cena horripilante. Já tinha visto fotos nos jornais e ouvido
relatos de testemunhas sobre o acontecimento, como o terremoto de algum modo
desestabilizou o solo sob a comunidade fechada de Emerald Hills Estates, um
enclave exclusivo nas montanhas de Santa Mónica, causando o afundamento
repentino de uma piscina e ameaçando o resto das casas com o mesmo destino. Mas
nada a preparara para o que os seus olhos contemplavam agora.
Embora a leste o céu estivesse
começando a clarear, a noite ainda era um manto escuro e refractário sobre Los
Angeles, tanto que tiveram que trazer luzes de emergência. Sóis feitos por homens,
colocados a intervalos em torno do perímetro do sítio, iluminando um quarteirão
do bairro superelegante onde as casas sobressaíam como templos de mármore na
lua leitosa. No centro dessa cena surrealista havia uma cratera negra, a boca
do diabo que engolira a piscina do famoso produtor de cinema Harmon Zimmerman. Helicópteros
zumbiam no céu, projectando círculos de luzes que cegavam os topógrafos
montando seus equipamentos, geólogos chegando com brocas e mapas, homens com
capacetes aquecendo as mãos em copos de café enquanto esperavam pelo amanhecer,
e policiais tentando evacuar os residentes que se recusavam a sair.
Mostrando a carteira que a
identificava como antropóloga do Instituto Arqueológico do Estado, Érica e seu
assistente receberam permissão para transpor a faixa amarela que mantinha a
multidão afastada. Eles correram para a cratera, onde os bombeiros do condado
de Los Angeles estavam inspecionando a borda do desmoronamento. Érica procurou
rapidamente pela entrada da caverna. É aquilo ali?, perguntou Luke, apontando
com o braço comprido para o outro lado da cratera. Érica pôde apenas divisar,
uns dois metros e pouco abaixo do nível do chão, uma abertura na lateral da
escarpa. Parece perigoso, dra. Tyler. Está pensando em entrar?
Já entrei em cavernas antes. Que
diabos você está
fazendo aqui! Érica virou-se rapidamente para ver um homem alto com um cabelo
grisalho vindo a passos largos na sua direcção, com uma expressão severa no rosto.
Sam Carter, o principal arqueólogo estadual do Instituto de Preservação
Histórica da Califórnia, um homem que usava suspensórios coloridos e falava com
voz ruidosa. E que claramente não estava feliz em vê-la. Sabe por que estou
aqui, Sam, disse Érica, enquanto tirava o cabelo do rosto e olhava para o caos
em volta. Moradores das casas ameaçadas estavam discutindo com a polícia e se recusando
a deixar suas propriedades. Fale-me da caverna. Já foi lá dentro? Sam notou
duas coisas: que os olhos de Érica brilhavam com uma febre interior e que seu blazer
estava abotoado errado. Era óbvio que ela largara tudo e viera de Santa Barbara
como se estivesse pegando fogo.
Ainda não estive lá dentro, disse
ele. Há um geólogo e uma dupla de especialistas explorando a caverna neste
momento para verificar a estabilidade estrutural. Assim que eles derem permissão,
vou dar uma olhada. Agora que Érica estava aqui, não seria fácil livrar-se
dela. A mulher grudava feito cola quando punha alguma coisa na cabeça. E o
Projeto Gaviota? Imagino que o deixou em mãos apropriadas? Érica não o escutou.
Estava olhando para a fenda na encosta e pensando nas botas pesadas calcando a
delicada ecologia da caverna. Rezou para que não tivessem destruído evidências históricas
preciosas inadvertidamente. A arqueologia nestas colinas já era bastante insignificante,
apesar do facto de pessoas terem vivido aqui por dez mil anos. As poucas
cavernas encontradas renderam muito pouco, porque no início do século XX tractores
e dinamites destruíram estas montanhas selvagens para abrir caminho para estradas,
pontes e o progresso humano. Sítios cemiteriais foram cobertos com arado,
montes de aldeias aplainados, todos os traços de antigas habitações humanas
obliterados. Érica?, chamou ele. Preciso entrar, disse ela. Ele sabia que ela
referia-se à caverna. Érica, nem você sequer devia estar aqui. Designe-me para
o trabalho, Sam. Você vai fazer a escavação. E ossos foram encontrados,
disseram no noticiário. Érica... Por
favor». In Barbara Wood, Solo Sagrado, Editora Record,
2002, ISBN 978-850-106-119-5.
Cortesia
de ERecord/JDACT