Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Ergueu os olhos da bancada e
viu Agnes na orla do terreno onde se realizava a construção, segurando uma
cesta de comida numa das mãos e apoiando uma grande jarra de cerveja no quadril
oposto. Era meio-dia. Ele contemplou-a afectuosamente. Ninguém jamais a
chamaria de bonita, mas seu rosto tinha força: testa larga, grandes olhos
castanhos, nariz recto, queixo forte. O cabelo escuro e grosso era dividido ao
meio e preso atrás. Era a alma irmã de Tom. Agnes serviu cerveja para Tom e
Alfred. Eles ficaram parados ali por um momento, os dois homens grandes e a
mulher forte, bebendo cerveja em canecos de madeira, até que o quarto membro da
família apareceu, saindo saltitante do campo de trigo: Martha, sete anos de
idade e linda como um narciso, embora faltasse uma pétala, pois dois dentes de
leite haviam caído. Ela correu para o pai, beijou sua barba poeirenta e pediu
um gole de sua cerveja. Tom abraçou seu corpinho ossudo. Não beba demais, para
não cair numa vala, disse ele. Ela saiu cambaleando num círculo, fingindo que
estava embriagada. Todos se sentaram na pilha de madeira. Agnes passou para Tom
um naco de pão de trigo, uma fatia grossa de toucinho cozido e uma cebola. Ele deu
uma mordida na carne e começou a descascar a cebola. Agnes deu comida às crianças
e começou ela própria a comer também. Talvez, pensou Tom, tenha sido
irresponsabilidade rejeitar aquele trabalho monótono em Exeter e sair
procurando uma catedral para construir; mas sempre fui capaz de alimentar
todos, a despeito da minha inquietude. Ele apanhou sua faca no bolso da frente
do avental de couro e cortou um pedaço da cebola, que comeu com uma fatia de pão.
A cebola era doce mas picante. Estou com criança de novo, disse Agnes. Tom
parou de mastigar e encarou-a espantado. Uma sensação de deleite apossou-se
dele. Sem saber o que dizer, limitou-se a sorrir tolamente.
Após alguns momentos ela corou e
disse: não é nada assim tão surpreendente. O marido abraçou-a. Ora, ora, disse,
ainda sorrindo de prazer. Um bebé para puxar minha barba. E eu que pensei que o
próximo seria do Alfred. Não fique feliz demais, advertiu Agnes. - Não dá sorte
falar na criança antes de ela nascer. Tom assentiu com a cabeça. Agnes já
tivera diversos abortos e uma criança nascida morta, além de uma garotinha,
Matilda, que só vivera dois anos. Mesmo assim, eu gostaria que fosse um menino,
disse ele. Alfred já está tão grande!... Quando deve nascer? Depois do Natal. Tom
começou a calcular. A estrutura da casa estaria terminada à época da primeira
nevada, quando o trabalho de pedra teria que ser coberto com palha para ficar
protegido no Inverno. Os pedreiros gastariam os meses de frio cortando pedras
para janelas, abóbadas, estruturas de portas e a lareira, enquanto o
carpinteiro prepararia as tábuas para o assoalho, portas e persianas e Tom
construiria o andaime para o trabalho no andar de cima. Na Primavera eles
fariam a abóbada do andar térreo, forrariam o piso do salão e montariam o
telhado. O trabalho alimentaria a família até ao domingo de Pentecostes, quando
então o bebé já teria seis meses de idade. Aí eles se mudariam.
Óptimo, disse ele, contente. Isto
é óptimo. E comeu outra fatia de cebola. E estou velha demais para ter filhos,
disse Agnes. Este tem que ser o último. Tom pensou naquilo. Não estava certo da
idade dela, em números, mas muitas mulheres tinham filhos naquela época da
vida. No entanto, era verdade que sofriam mais à medida que ficavam mais
velhas, e que os bebés não nasciam tão fortes. Sem dúvida Agnes estava com a
razão. Mas como poderia ter certeza de que não conceberia de novo?,
perguntou-se Tom. Só então percebeu como, e uma nuvem sombreou seu ensolarado
estado de espírito.
Posso conseguir um bom emprego,
numa cidade, disse ele, tentando apaziguá-la. Uma catedral, ou um palácio. Aí
poderemos ter uma casa grande com chão de madeira e uma criada para ajudar-te com
o bebé. Pode ser, disse ela cepticamente, o rosto enrijecido. Não gostava daquela
conversa de catedrais. Se Tom nunca tivesse trabalhado numa catedral, podia
estar morando numa casa na cidade agora, com dinheiro economizado e enterrado
sob a lareira, sem nada para preocupá-la. Tom desviou o olhar e deu outra
mordida no toucinho. Tinham o que celebrar, mas estavam em desarmonia.
Sentiu-se deprimido. Mastigou a carne dura por um momento, depois ouviu um
cavalo. Inclinou a cabeça para escutar. Um cavaleiro estava atravessando uma
região cheia de árvores, vindo da direcção da estrada, tomando um atalho e
evitando a aldeia. Um momento depois, um jovem montado num pónei aproximou-se a
trote e desmontou. Parecia um escudeiro, uma espécie de cavaleiro aprendiz. O
seu lorde está vindo aí, disse ele.
Tom ergueu-se. Está-se referindo
a lorde Percy? Percy Hamleigh era um dos homens mais importantes do país. Possuía
aquele vale e muitos outros, e estava pagando pela casa. O filho dele, disse o
escudeiro. O jovem William. O filho de Percy, William, iria ocupar aquela casa
após seu casamento. Estava noivo de lady Aliena, a filha do conde de Sharing. Ele
mesmo, confirmou o escudeiro. E está furioso. O coração de Tom confrangeu-se.
Quando tudo corria bem já era difícil tratar com o proprietário de uma casa em
construção, com um proprietário enfurecido era impossível.
Porque ele está furioso? Sua
noiva o rejeitou. A filha do conde?, exclamou Tom, surpreso. Sentiu uma pontada
de medo; naquele instante mesmo estivera pensando em como seu futuro era seguro.
Pensei que isso já estivesse resolvido. Todos nós pensamos, excepto lady
Aliena, ao que parece, disse o escudeiro. No momento em que se encontrou com
ele, disse que não o desposaria por nada deste mundo. Tom franziu a testa,
preocupado. Não queria que aquilo fosse verdade. Mas o rapaz não é feio, que me
lembre. Como se isso fizesse qualquer diferença, na posição dela, disse Agnes. Se
as filhas de condes fossem autorizadas a se casar com quem bem entendessem,
estaríamos recebendo ordens de menestréis ambulantes e foras-da-lei. A garota
ainda pode mudar de ideia, disse Tom, esperançoso. Mudará, se a mãe lhe der uma
surra de vara de marmelo, disse Agnes. A mãe dela está morta, disse o
escudeiro. Agnes balançou a cabeça, concordando». In Ken Follett, Os Pilares da
Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.
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