Os
Tesouros do Vaticano
Sacerdotes
malcomportados
(…) Casos desse tipo estão
sujeitos ao segredo pontifício, concluía a carta de Ratzinger. A violação do
segredo pontifício a qualquer momento enquanto a ordem da jurisdição de dez
anos estivesse em vigor acarretaria penalidades, inclusive a ameaça de
excomunhão. A carta foi mencionada em documentos relativos a uma acção movida
naquele ano contra Ratzinger e uma igreja no Texas em nome de duas supostas
vítimas de abuso. Ao enviar a carta, alegavam os advogados, o cardeal conspirou
para obstruir a justiça. Daniel Shea, advogado das duas supostas vítimas que
descobriu a carta, disse:
E fala por si mesma. É uma
obstrução da justiça. (…)
Shea criticou a ordem segundo a
qual acusações de abuso deveriam ser investigadas apenas por tribunais
secretos. Eles estão impondo procedimentos e segredo nesses casos. Se as
agências encarregadas da aplicação da lei descobrirem o caso, podem lidar com
ele. Mas não pode investigar um caso se não souber da sua existência. Se você
conseguir mantê-lo em segredo por dezoito anos mais dez, o padre vai fugir,
acrescentou Shea.
Quando o papa Bento XVI fez a sua
primeira visita aos Estados Unidos em Abril de 2008, disse aos repórteres que
estavam no seu avião a caminho de Washington, D.C., que o abuso sexual de crianças
é um grande sofrimento para a Igreja nos Estados Unidos e para a Igreja em
geral, e para mim pessoalmente. Ele disse:
Quando leio as histórias dessas vítimas,
é difícil entender como foi possível que sacerdotes tenham traído desse jeito.
A missão deles era dar a cura, dar o amor de Deus a essas crianças. Estamos
profundamente envergonhados e faremos o que for possível para que isso não aconteça
no futuro.
Fazendo uma distinção entre
sacerdotes com tendências homossexuais e aqueles com inclinação para molestar
crianças, o pontífice disse: eu não falaria neste momento sobre
homossexualidade, mas sobre pedofilia, que é outra coisa. E nós certamente excluiríamos
os pedófilos do ministério sagrado. Afirmando que qualquer pessoa culpada de
pedofilia não pode ser um sacerdote, ele disse que funcionários da Igreja iriam
visitar os seminários que formam os futuros sacerdotes para se certificar de
que esses candidatos não têm tais tendências. Faremos tudo o que for possível
para ter um forte discernimento, porque é mais importante ter bons sacerdotes
do que ter muitos sacerdotes, disse. Esperamos ter feito, fazer e continuar
fazendo no futuro, tudo o que for possível para curar essa ferida.
Os arquivos do Vaticano e os
anais do cristianismo de quase 2 mil anos atrás contêm relatos da luta contra
delitos sexuais. No ano 390 d.C., o imperador Valentiniano II foi fortemente
influenciado por suas crenças cristãs ao decretar que os homens que cometessem
sodomia deveriam expiar um crime dessa natureza nas chamas vingadoras à vista
do povo. Na Inglaterra do século VII, um livro que falava dos crimes sexuais
cometidos por clérigos contra crianças, o Penitential Bede, sugeria que os clérigos
que cometessem sodomia com crianças deveriam receber penalidades severas,
dependendo do seu posto. Em 1179 d.C., um concílio da Igreja decretou que os clérigos
que tivessem cometido pecados contra a natureza fossem confinados a um mosteiro
para o resto da vida ou forçados a deixar a Igreja. No século XVI, o papa Pio IV
emitiu o primeiro decreto papal condenando o abuso sexual por sacerdotes. Outra
instrução importante da Igreja, Sacramentum Poenitentiae, emitida em 1º de Junho
de 1741 pelo papa Bento XIV, decretou que todas as tentativas dos padres de
levar os fiéis a manterem relações sexuais fossem condenadas. Em 1917, foi
promulgado um código canónico que condenava o abuso sexual. Nova legislação
sobre o assunto foi promulgada em 1922.
Em 2003, quando se descobriu o édito
secreto de 1962 do papa João XXIII, a agência de notícias do The New York Times
informou:
A crise sobre abusos sexuais que vem
engolindo a Igreja Católica Romana nos últimos doze meses espalhou-se por praticamente
todas as dioceses norte-americanas e envolve mais de 1,2 mil padres, a maioria
com carreiras que abrangem uma mistura de história da igreja e formação em seminários.
Esses sacerdotes teriam abusado de mais de 4 mil menores nas últimas seis décadas
de acordo com uma ampla pesquisa do New York Times com casos documentados de
abuso sexual cometidos por padres até 31 de Dezembro de 2002. A pesquisa,
considerada a mais completa reunião de dados sobre o problema, contém nomes e
histórias referentes a 1.205 padres acusados. Reuniu 4.268 pessoas que afirmavam
publicamente ou por meio de acções judiciais terem sido abusadas por padres,
embora os especialistas digam que certamente há muito mais pessoas que mantiveram
silêncio. Os dados, porém, mostram que os padres violavam secretamente jovens
vulneráveis muito antes de as primeiras vítimas processarem a Igreja e virem a público
em 1984, na Louisiana. Alguns crimes datam da década de 1930.
In
Paul Jeffers, Mistérios Sombrios do Vaticano, 2012, tradução de Elvira
Serapicos, Editora Jardim dos Livros, 2013, ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).
Cortesia
de EJLivros/JDACT