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Manuel I e o fim da tolerância religiosa
(1496 - 1497
Demografia e distribuição geográfica
«(…) As extensas pesquisas em
arquivos realizadas por Losa e Durand revelaram que os muçulmanos no Norte de
Portugal nos séculos XII e XIII eram, na sua maioria, indivíduos ou pequenos
grupos isolados ou geralmente escravos alforriados. Estes indivíduos isolados,
sobretudo escravos ou antigos escravos, não tinham qualquer estrutura ou
liderança religiosa e acabaram por se converter e integrar rapidamente na
sociedade cristã. Apenas alguns muçulmanos forros se estabeleceram no Norte.
Existem registos de um certo Sa'ld e sua mulher residindo em Guimarães em Julho
de 1292, e outro indivíduo, chamado Duran mouro, residia aparentemente no
Sobrado (perto do Porto) em 1330. Em 1415, o rei João I doou um edifício arruinado
que foi mesquita dos mouros em Marialva ao seu condestável, mas este edifício podia
ter sido a ruína de uma antiga mesquita anterior à conquista e cuja memória sobrevivera
até àquela data. Não se encontraram até hoje quaisquer provas da existência de
comunas muçulmanas, ou mesmo mourarias, nas cidades do Porto, Braga, Lamego,
Guimarães, Viseu, Guarda e Covilhã, quer no século XIV, quer no século XV. Uma das
constituições do Sínodo de Braga, reunido em 1477, afirmava categoricamente que
não existiam muçulmanos livres na arquidiocese de Braga.
A ausência de dados demográficos
precisos impede qualquer determinação do número de judeus e muçulmanos residentes
em Portugal na Idade Média. Provas indirectas sugerem que, pelo menos no século
XV, em Portugal, os judeus eram mais numerosos que os muçulmanos. Uma comparação
do imposto individual cobrado a ambas as minorias, em l482-1483, revela que os montantes
pagos pelos judeus excediam largamente aqueles pagos por muçulmanos. Só na vila
fronteiriça de Elvas é que o montante do imposto pago pela comunidade muçulmana
ultrapassava o da comunidade judaica. A estimativa mais recente de Tavares, baseada
no sisão cobrado aos judeus em 1496, coloca o número total de judeus a residir
em Portugal num máximo de 30 000 almas. Se a população total de Portugal era
cerca de um milhão, isso representaria, aproximadamente, 3% desse total.
Alguns dados anedóticos apontam
efectivamente para um declínio demográfico da população muçulmana em Portugal
durante os séculos XIV e XV. O número significativo de documentos régios que se
referem, directa ou indirectamente, à emigração ilegal de muçulmanos da maioria
das cidades e vilas do Sul de Portugal, incluindo Lisboa, Elvas, Moura, Évora,
Tavira e Beja, para a vizinha Castela, o emirado de Granada ou mesmo para o Norte
de África oferece uma indicação clara da importância desse declínio. Todas as propriedades
que os emigrantes deixavam ficar eram automaticamente confiscadas pela Coroa e posteriormente
doadas ou arrendadas a cristãos. Ainda mais expressiva era a aparente falta de potenciais
cônjuges em muitas comunidades muçulmanas portuguesas, o que as levava a procurar
integrar os escravos forros. Com efeito, entre 1463 e 1487, as comunas muçulmanas
de Loulé, Tavira, Santarém, Lisboa, Moura, Elvas e Beja pediram, com êxito, à Coroa
lhes concedesse o direito de comprar escravos muçulmanos de ambos os sexos para
os alforriar e com eles casar. Explicaram que não ousavam fazê-lo por causa das
ordenações régias que limitavam a alforria de escravos, e a Coroa satisfez-lhes
o pedido». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal,
2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
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