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de wikipedia e jdact
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Contexto
Histórico
Pouco é o que se sabe acerca da verdadeira origem do Kamasutra. Como refere Manu
Joseph no seu artigo The Kama Sutra
as a Work of Philosophy (2015), nenhuma porção do texto
original sobreviveu. Sabe-se apenas que foi originalmente traduzido do sânscrito
para o inglês, constituindo a única prova física da sua existência, por sir
Richard Francis Burton (um escritor, tradutor, linguista, geógrafo, poeta, antropólogo,
orientalista, erudito, espadachim, explorador, agente secreto e diplomata britânico),
em 1883. Sir Richard Francis Burton foi, sem dúvida, uma das personalidades
mais extraordinárias e fascinantes do século XIX pelos 29 idiomas que dominava,
assim como vários dialectos; perito na arte do disfarce, o que lhe terá rendido
uma quantidade diversificada de registos presentes nos mais variados livros,
pela possibilidade, durante os anos em que desempenhou o papel de militar na
Índia e em Sindh, de viver no seio de povos do Oriente. Estudou os usos e
costumes de povos asiáticos e africanos, sendo pioneiro em estudos etnológicos.
Retornando ao caso particular do Kamasutra, segundo Wendy Doniger no seu livro The Mare's Trap: Nature and Culture in the
Kamasutra (2015), a sua tradução, do inglês sir Richard
Francis Burton, foi publicada em 1883, época em que os hindus, limitados pelo
desprezo dos proselitistas protestantes, queriam varrer o Kamasutra para baixo
do tapete dos Upanishads. Sucintamente, os Upanishads são textos sânscritos antigos que contêm
alguns dos conceitos e ideias filosóficas centrais relativas ao hinduísmo,
alguns dos quais, compartilhados com o Budismo. Entre a literatura mais
importante da história das religiões e da cultura indiana, os Upanishads desempenharam um
papel importante no desenvolvimento de ideias relativas à espiritualidade da
Índia antiga, marcando uma transição do ritualismo védico para novas ideias e
instituições. Constituem uma parte importante dos Vedas, que por sua vez são um grande corpo de texto do
conhecimento originário da antiga Índia. Composto em sânscrito védico, os
textos constituem a camada mais antiga da literatura sânscrita e as escrituras
mais antigas do hinduísmo. Os Vedas,
para os teólogos indianos ortodoxos, são considerados revelações vistas pelos
sábios antigos após uma meditação intensa e textos que têm sido mais
cuidadosamente preservados desde os tempos antigos, pela sua importância
ancestral.
Mais importante será perceber quem foi Vatsyayana, filósofo
indiano e o autor do Kamasutra
(ou Aforismos sobre o amor), originalmente escrito em sânscrito. A
história diz-nos que o autor foi um estudante celibatário que viveu em
Pataliputra, um importante centro de aprendizagem. Especula-se que tenha
nascido entre o século II e IV d.C., o que, se estiver correcto, significa que
viveu durante o ápice da Dinastia Gupta, um período conhecido pelas grandes
contribuições para a literatura sânscrita e para a cultura védica. Segundo Manu
Joseph, é uma obra que se pensa ter cerca de 2.000 anos de idade (…) [suposição
que] se baseia exclusivamente em provas circunstanciais
Numa determinada altura, em que, mundialmente, as principais preocupações
se relacionavam com questões essencialmente religiosas, territoriais ou mesmo
de sobrevivência, surge um pensador indiano, e pelas suas mãos, uma das mais
aclamadas e faladas obras em todo o mundo:
O
Kamasutra é o livro indiano mais antigo, existente, de amor e erotismo, e um
dos mais antigos do mundo. Mesmo na actualidade, não existe nenhum remotamente
como ele, e já no seu tempo era surpreendentemente sofisticado; já era muito
conhecido na Índia, numa altura em que os europeus ainda se balançavam nas árvores,
culturalmente (e sexualmente) falando.
Um livro que nasce assente na discussão e intelectualização de
princípios e questões morais, religiosas, culturais, políticas, sociais,
pessoais e, consequentemente, interpessoais.
No entanto, o Kamasutra ficou pendurado como um escândalo no
universo dos sistemas de conhecimento ocidentais, produzindo imensa curiosidade,
mas não muita análise e falar do Kamasutra,
é falar de questões meramente físicas, de copulação entre casais, e pouco se
sabe para além disso. O acesso ao texto integral da obra, foi-nos desde o
início (para nós, cidadãos do mundo ocidental) restringido; e no que diz
respeito ao conteúdo total, o seu real significado e mérito foi-lhe retirado e
descontextualizado. O que conhecemos é apenas um pequeno trecho de uma obra tão
complexa e completa, por vezes, até, contraditória; na qual, o seu valor reside
na compreensão e análise das raízes filosóficas que a sustentam, e do contexto
cultural envolvente:
O verdadeiro Kamasutra é um livro sobre a arte de viver, encontrar
um parceiro, manter o controlo num matrimónio, cometer adultério, viver como ou
com uma cortesã, o consumo de drogas, e também sobre posições praticadas
durante a relação sexual. (…) Grande parte do Kamasutra é sobre a cultura que
pertenceu àqueles que tinham acesso ao lazer e a [determinados] meios, tempo e
dinheiro, nenhum dos quais, escassos para o público-alvo do texto, uma elite
urbana (refinada) composta por príncipes, funcionários de estatuto elevado do
estado e comerciantes ricos.
Pode ser visto como um guia ou manual espiritual e educativo, que
nos ensina a gerir as nossas experiências individuais ou compartilhadas
(relacionamentos), de modo a atingir os vários prazeres da vida e,
consequentemente, a plenitude». In Mariana Rebelo Costa, Kamasutra ou Aforismos
sobre o Amor. O ilustrador enquanto tradutor visual e verbal, Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, Relatório de
Projecto, 2018.
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