terça-feira, 16 de junho de 2020

Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor. O ilustrador enquanto tradutor visual e verbal. Mariana Rebelo Costa. «O Kamasutra é o livro indiano mais antigo, existente, de amor e erotismo, e um dos mais antigos do mundo»

Cortesia de wikipedia e jdact

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Contexto Histórico
Pouco é o que se sabe acerca da verdadeira origem do Kamasutra. Como refere Manu Joseph no seu artigo The Kama Sutra as a Work of Philosophy (2015), nenhuma porção do texto original sobreviveu. Sabe-se apenas que foi originalmente traduzido do sânscrito para o inglês, constituindo a única prova física da sua existência, por sir Richard Francis Burton (um escritor, tradutor, linguista, geógrafo, poeta, antropólogo, orientalista, erudito, espadachim, explorador, agente secreto e diplomata britânico), em 1883. Sir Richard Francis Burton foi, sem dúvida, uma das personalidades mais extraordinárias e fascinantes do século XIX pelos 29 idiomas que dominava, assim como vários dialectos; perito na arte do disfarce, o que lhe terá rendido uma quantidade diversificada de registos presentes nos mais variados livros, pela possibilidade, durante os anos em que desempenhou o papel de militar na Índia e em Sindh, de viver no seio de povos do Oriente. Estudou os usos e costumes de povos asiáticos e africanos, sendo pioneiro em estudos etnológicos.
Retornando ao caso particular do Kamasutra, segundo Wendy Doniger no seu livro The Mare's Trap: Nature and Culture in the Kamasutra (2015), a sua tradução, do inglês sir Richard Francis Burton, foi publicada em 1883, época em que os hindus, limitados pelo desprezo dos proselitistas protestantes, queriam varrer o Kamasutra para baixo do tapete dos Upanishads. Sucintamente, os Upanishads são textos sânscritos antigos que contêm alguns dos conceitos e ideias filosóficas centrais relativas ao hinduísmo, alguns dos quais, compartilhados com o Budismo. Entre a literatura mais importante da história das religiões e da cultura indiana, os Upanishads desempenharam um papel importante no desenvolvimento de ideias relativas à espiritualidade da Índia antiga, marcando uma transição do ritualismo védico para novas ideias e instituições. Constituem uma parte importante dos Vedas, que por sua vez são um grande corpo de texto do conhecimento originário da antiga Índia. Composto em sânscrito védico, os textos constituem a camada mais antiga da literatura sânscrita e as escrituras mais antigas do hinduísmo. Os Vedas, para os teólogos indianos ortodoxos, são considerados revelações vistas pelos sábios antigos após uma meditação intensa e textos que têm sido mais cuidadosamente preservados desde os tempos antigos, pela sua importância ancestral.
Mais importante será perceber quem foi Vatsyayana, filósofo indiano e o autor do Kamasutra (ou Aforismos sobre o amor), originalmente escrito em sânscrito. A história diz-nos que o autor foi um estudante celibatário que viveu em Pataliputra, um importante centro de aprendizagem. Especula-se que tenha nascido entre o século II e IV d.C., o que, se estiver correcto, significa que viveu durante o ápice da Dinastia Gupta, um período conhecido pelas grandes contribuições para a literatura sânscrita e para a cultura védica. Segundo Manu Joseph, é uma obra que se pensa ter cerca de 2.000 anos de idade (…) [suposição que] se baseia exclusivamente em provas circunstanciais

Numa determinada altura, em que, mundialmente, as principais preocupações se relacionavam com questões essencialmente religiosas, territoriais ou mesmo de sobrevivência, surge um pensador indiano, e pelas suas mãos, uma das mais aclamadas e faladas obras em todo o mundo:

O Kamasutra é o livro indiano mais antigo, existente, de amor e erotismo, e um dos mais antigos do mundo. Mesmo na actualidade, não existe nenhum remotamente como ele, e já no seu tempo era surpreendentemente sofisticado; já era muito conhecido na Índia, numa altura em que os europeus ainda se balançavam nas árvores, culturalmente (e sexualmente) falando.

Um livro que nasce assente na discussão e intelectualização de princípios e questões morais, religiosas, culturais, políticas, sociais, pessoais e, consequentemente, interpessoais.
No entanto, o Kamasutra ficou pendurado como um escândalo no universo dos sistemas de conhecimento ocidentais, produzindo imensa curiosidade, mas não muita análise e falar do Kamasutra, é falar de questões meramente físicas, de copulação entre casais, e pouco se sabe para além disso. O acesso ao texto integral da obra, foi-nos desde o início (para nós, cidadãos do mundo ocidental) restringido; e no que diz respeito ao conteúdo total, o seu real significado e mérito foi-lhe retirado e descontextualizado. O que conhecemos é apenas um pequeno trecho de uma obra tão complexa e completa, por vezes, até, contraditória; na qual, o seu valor reside na compreensão e análise das raízes filosóficas que a sustentam, e do contexto cultural envolvente:

O verdadeiro Kamasutra é um livro sobre a arte de viver, encontrar um parceiro, manter o controlo num matrimónio, cometer adultério, viver como ou com uma cortesã, o consumo de drogas, e também sobre posições praticadas durante a relação sexual. (…) Grande parte do Kamasutra é sobre a cultura que pertenceu àqueles que tinham acesso ao lazer e a [determinados] meios, tempo e dinheiro, nenhum dos quais, escassos para o público-alvo do texto, uma elite urbana (refinada) composta por príncipes, funcionários de estatuto elevado do estado e comerciantes ricos.

Pode ser visto como um guia ou manual espiritual e educativo, que nos ensina a gerir as nossas experiências individuais ou compartilhadas (relacionamentos), de modo a atingir os vários prazeres da vida e, consequentemente, a plenitude». In Mariana Rebelo Costa, Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor. O ilustrador enquanto tradutor visual e verbal, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, Relatório de Projecto, 2018.

Cortesia de FBArtes/UPorto/JDACT