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Conto
Provençal
«(…) Ó meu caro e bom amigo!,
prossegue Gabriel lançando-se ao pescoço de Rodin, são dez horas agora; por
Deus, vesti meu hábito, esperai soar a décima primeira hora; então celebrai a missa,
suplico-vos; nosso irmão sacristão é um bom diabo, e nunca nos trairá; àqueles
que julgarem não me reconhecer, dir-lhes-emos que é um novo monge, quanto aos
outros, os deixaremos em erro; correrei ao encontro de Renoult, esse velhaco,
darei cabo dele ou recuperarei meu dinheiro, estando de volta em duas horas. O
senhor me aguardará, ordenará que grelhem os linguados, preparem os ovos e
busquem o vinho; na volta, almoçaremos, e a caça... Sim, meu amigo, a caça,
creio que há-de ser boa dessa vez: segundo se disse, viu-se pelas redondezas um
animal de chifres, por Deus! Quero que o agarremos, ainda que tenhamos de nos
defender de vinte processos do senhor da região!
Vosso plano é bom, diz Rodin e,
para vos fazer um favor, não há, decerto, nada que eu não faça; contudo, não
haveria pecado nisso? Quanto a pecados, meu amigo, nada direi; haveria algum, talvez,
em executar-se mal a coisa; porém, ao fazer isso sem que se esteja investido de
poderes para tanto, tudo o que dissentes e nada são a mesma coisa. Acreditai em
mim; sou casuísta, não há em tal conduta o que se possa chamar pecado venial. Mas
seria preciso repetir a liturgia? E como não? Essas palavras são virtuosas
apenas em nossa boca, mas também esta é virtuosa em nós... Reparai, meu amigo,
que se eu pronunciasse tais palavras deitado em cima de vossa mulher, ainda
assim eu havia de metamorfosear em deus o templo onde sacrificais... Não, não,
meu caro; só nós possuímos a virtude da transubstanciação; pronunciaríeis vinte
mil vezes as palavras, e nunca faríeis descer algo dos céus; ademais, bem
amiúde connosco a cerimónia fracassa por completo; e, aqui, é a fé que faz
tudo; com um pouco de fé transportaríamos montanhas, vós sabeis, Jesus Cristo o
disse, mas quem não tem fé nada faz... Eu, por exemplo, se nas vezes em que
realizo a cerimónia penso mais nas moças ou nas mulheres da assembleia do que no
diabo dessa folha de pão que revolvo em meus dedos, acreditais que faço algo acontecer?
Seria mais fácil eu crer no Alcorão que enfiar isso na minha cabeça. Vossa
missa será, portanto, quase tão boa quanto a minha; assim, meu caro, agi sem
escrúpulo, e, sobretudo, tende coragem. Pelos céus, diz Rodin, é que tenho uma
fome devoradora! Ainda faltam duas horas para o almoço! E o que vos impede de
comer um pouco? Aqui tendes alguma coisa.
E
a tal missa que é preciso celebrar? Por Deus! O que há de mal nisso? Acreditais
que Deus se há-de macular mais caindo numa barriga cheia em vez de numa vazia?
O diabo me carregue se não é a mesma coisa a comida estar em cima ou em baixo!
Meu caro, se eu dissesse em Roma todas as vezes que almoço antes de celebrar
minha missa, passaria minha vida na estrada. Além disso, não sois padre, nossas
regras não vos podem constranger; ireis tão-somente dar certa imagem da missa,
não ireis celebrá-la; consequentemente, podereis fazer tudo o que quiserdes
antes ou depois, inclusive beijar vossa mulher, caso ela aqui estivesse; não se
trata de agir como eu; não é celebrar, nem consumar o sacrifício. Prossigamos,
diz Rodin, hei-de fazê-lo. Podeis ficar tranquilo». In Contos Libertinos, O Marido
Padre, http://portugues.free-ebooks.net/tos.html,
Wikipédia.
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