Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) De vez em quando as pessoas
se empertigavam, como faz o precavido pardal, e levantavam os olhos para o
castelo situado na colina que dominava a cidade. Viam fumaça se erguendo
regularmente da cozinha, e o ocasional clarão de uma tocha por trás das
seteiras da fortaleza de pedra. Depois, mais ou menos na hora em que o sol
devia ter começado a nascer por trás da densa nuvem cinzenta que encobria o
céu, abriram-se as enormes portas de madeira maciça do aposento construído
sobre o portão da cidade e que servia de cárcere, e saiu um pequeno grupo. O
xerife era o primeiro, montado num belo corcel negro, seguido por um carro de
boi que trazia o prisioneiro amarrado. Atrás dele vinham três homens a cavalo,
e, embora seu rosto não pudesse ser visto daquela distância, suas roupas
revelavam que eram um cavaleiro, um sacerdote e um monge. Dois homens armados
encerravam a procissão.
Todos haviam estado na corte do
condado, realizada na nave da igreja, no dia anterior. O sacerdote tinha
apanhado o ladrão em flagrante delito; o monge identificara o cálice de prata
como pertencente ao mosteiro; o cavaleiro era o lorde do ladrão e declarara que
ele era um fugitivo; e o xerife o condenara à morte. Enquanto eles desciam
lentamente a colina, o resto da cidade reunia-se em torno do patíbulo. Entre os
últimos a chegar estavam os cidadãos mais eminentes: o açougueiro, o padeiro,
dois ferreiros, o cuteleiro e o fabricante de flechas, todos com as mulheres. A
atitude da multidão era estranha. Em geral aquela gente gostava de enforcamentos.
Em geral o prisioneiro era um ladrão, e todos odiavam os ladrões com a paixão
das pessoas cujas posses foram duramente conquistadas com aquele criminoso, no
entanto, era diferente. Ninguém sabia quem era ou de onde vinha. Não tomara
nada deles, mas de um mosteiro situado a mais de vinte milhas de distância. E
tinha roubado um cálice cravejado de pedras preciosas, uma coisa de tão grande
valor que era virtualmente impossível de vender, nada parecido com roubar um
presunto, uma faca nova ou um bom cinturão, cuja perda significaria prejuízo
para alguém. Não podiam odiar um homem por um crime despropositado. Houve algumas
zombarias e vaias quando o prisioneiro entrou na praça, mas sem grande
entusiasmo, com excepção do demonstrado pelos garotos.
A maior parte dos habitantes da
cidade não havia estado na corte, porque dias de julgamento não eram feriados e
todos precisavam ganhar a vida, de modo que era a primeira vez que viam o ladrão.
Era jovem, entre vinte e trinta anos, de altura e peso normais; por outro lado,
porém, tinha uma estranha aparência. Sua pele era branca como a neve que se
acumulava em cima dos telhados, os olhos, verdes, protuberantes e surpreendentemente
luminosos, e o cabelo, da cor de uma cenoura. As moças o acharam feio; as velhas
sentiram pena dele; os garotos riram até cair no chão. O xerife era uma figura
familiar, mas os outros três homens que tinham selado o destino do ladrão eram
estranhos. O cavaleiro, um homem corpulento de cabelo louro, era claramente uma
pessoa de alguma importância, pois montava um cavalo de batalha, um animal
enorme que custava tanto quanto um carpinteiro ganhava em dez anos. O monge era
muito mais velho, com uns cinquenta anos talvez, ou mais, um homem alto e magro
que se sentava na sela curvado, como se a vida fosse para ele um fardo tedioso.
O mais surpreendente era o sacerdote, um jovem de nariz afilado e cabelo preto
escorrido, com hábito também preto e montando um garanhão castanho. Tinha um ar
perigoso, alerta, como um gato preto que houvesse sentido o cheiro de uma
ninhada de camundongos.
Um garotinho mirou cuidadosamente
e cuspiu no prisioneiro. Tinha boa mira, pois atingiu-o bem no meio dos olhos.
Ele rosnou uma praga e arremeteu contra o cuspidor, mas foi contido pelas
cordas que o amarravam nas laterais do carro. O incidente não foi notável, a não
ser pelo facto de ele ter falado francês normando, a língua dos lordes. Ele era
bem-nascido então? Ou apenas estava muito longe de casa? Ninguém sabia. O carro
de boi parou ao pé do cadafalso. O auxiliar do xerife subiu com o baraço na mão.
O prisioneiro começou a lutar. Os garotos vibraram, teriam ficado desapontados
se ele permanecesse calmo. Os movimentos do homem eram contidos pelas cordas
amarradas nos pulsos e tornozelos, mas ele sacudiu a cabeça de um lado para o
outro, esquivando-se. Após um momento o meirinho, um homem enorme, recuou e lhe
deu um soco no estômago. Ele se dobrou e a corda foi passada pelo seu pescoço.
Depois de apertar o nó, o meirinho pulou para o chão e puxou a corda até esticá-la,
amarrando a outra extremidade a um gancho na base do cadafalso». In
Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN
978-972-233-788-5.
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