Cortesia
de wikipedia e jdact
«Proibido durante cerca de 30 anos nos Estados Unidos e no
Reino Unido, Trópico de Câncer foi publicado
originalmente em 1934. Eleito um clássico de literatura erótica desconstruiu
tabus e desmistificou convenções no seu pouco apologético caminho em busca do
desejo. Muitas vezes considerado pornográfico e obsceno, Trópico de Câncer
evidencia uma sexualidade despojada, longe de amarras e preconceitos, sendo auto-designado
pelo escritor como um insulto prolongado, um escarro no rosto da Arte. Não
somente a Arte se pode ter sentido beliscada como a generalidade dos homens do
seu tempo, presos às regras ditadas pela sociedade e que viam em Trópico de Câncer um desafiar dos
valores impostos e aceites pela sociedade. A linguagem sem freio, os temas
invariavelmente de cama e o retrato das personagens pouco ortodoxo, muitas
vezes ridicularizadas por uma crítica contundente e sem moral, projectaram
Miller como alguém à frente do seu tempo, porventura um pouco desajustado,
facto esse que o levou a viver em Paris, ex-libris das capitais, que
considerava um local onde se mesclam as cidades da Europa e da América Central,
e onde o escritor vivia sem recursos ou dinheiro. Miller auto-designava-se um
artista que se deixava conduzir à mercê das contrariedades e das alegrias da
vida. A primeira impressão de Trópico
de Câncer foi aliás financiada por Anaïs Nin, sua amante, que
acreditava nos seus desígnios. Narrado na primeira pessoa, o livro relata
ficticiamente as aventuras de Miller entre prostitutas, proxenetas, pintores
sem dinheiro e escritores do submundo parisiense. Controverso e muito peculiar,
Henry Miller ergue um hino ao mundo da sexualidade e da liberdade nas suas
formas extremas e garante incondicionalmente um lugar no panteão dos maiores
escritores mundiais do século XX». In Sinopse
«Estou
vivendo na villa Borghese. Não há um resquício de sujeira em parte alguma, nem
uma cadeira fora do lugar. Estamos completamente sozinhos aqui e estamos
mortos. Ontem à noite, Bóris descobriu que estava com … Tive de raspar-lhe as
axilas e mesmo depois disso a coceira não passou. Como pode alguém adquirir …
num lugar bonito como este? Mas isso não tem importância. Talvez nunca nos
tivéssemos conhecido tão intimamente, Bóris e eu, se não fossem os … Bóris
acaba de oferecer-me uma síntese de suas ideias. É um profeta meteorológico. O
tempo continuará ruim, diz ele. Haverá mais calamidades, mais morte, mais
desespero. Não há a menor indicação de mudança em parte alguma. O câncer do
tempo está nos comendo. Nossos heróis mataram-se ou estão se matando. O herói,
então, não é o Tempo, mas a Ausência de Tempo. Precisamos acertar o passo, em
ritmo acelerado, em direcção à prisão da morte. O tempo não vai mudar. Estamos
no Outono do meu segundo ano em Paris. Mandaram-me para cá por uma razão que
ainda não consegui compreender. Não tenho dinheiro, nem recursos, nem
esperanças. Sou o mais feliz dos homens vivos. Há um ano, há seis meses, eu
pensava ser um artista. Não penso mais nisso. Eu sou. Tudo quanto era
literatura se desprendeu de mim. Não há mais livros a escrever, graças a Deus.
E isto então? Isto não é um
livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de carácter. Isto não é um livro, no
sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na
cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo,
do Amor, da Beleza..., e do que mais quiserem. Vou cantar um pouco desafinado
talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu
cadáver sujo... Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um
par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter
harmónica ou viola. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção.
Eu estou cantando.
É para você, Tânia, que estou
cantando. Desejaria poder cantar melhor, mais melodiosamente, mas então talvez
você jamais consentisse em ouvir-me. Você já ouviu outros cantarem e permaneceu
fria. Cantavam bonito demais ou não cantavam suficientemente bonito. Estamos em
vinte e tantos de Outubro. Não acompanho mais as datas. Que diz você? Meu sonho
de 14 de Novembro do ano passado? Há intervalos, mas ficam entre sonhos e deles
não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está-se dissolvendo, deixando
aqui e acolá manchas de tempo.
O mundo é um câncer que está
comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer
sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo
para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a
qual a realidade está escrita. Você, Tânia, é o meu caos.
É por isso que canto. Não sou nem
eu, é o mundo morrendo, deixando cair a pele do tempo. Eu ainda estou vivo,
dando pontapés no seu útero, uma realidade sobre a qual escrever. Adormecendo.
A fisiologia do amor. A baleia com seu p… de um metro e oitenta, em repouso. O
morcego, p… libre. Animais com um osso no p… Daí, um osso espetado... Felizmente,
diz Gourmont, a estrutura óssea está perdida no homem». In Henry Miller, Trópico de Câncer,
1934, Editorial Presença, 2008, ISBN 978-972-234-012-0.
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