Introdução
«A lenda do Graal, símbolo esotérico das aspirações religiosas da Idade
Média, na última fase de sua evolução, aparece oficialmente na literatura
ocidental na obra de Chrétien de Troyes, no século XII. Sua origem reporta-se
ao mundo fantástico e maravilhoso das lendas celtas difundidas pelos bardos
galeses e incorporadas às principais literaturas europeias. Agregada ao corpus da lenda arturiana mediante a
transformação de antigos talismãs dos deuses pagãos nos objectos relacionados
com a Paixão de Cristo, o seu significado tem sido considerado desde os mais diversos
pontos de vista possibilitando a elaboração de inúmeras teorias que, embora não
tenham resolvido definitivamente o problema, têm resultado em esclarecimentos
parciais perfeitamente aceitáveis […]
As Lendas Arturianas
A Matéria da Bretanha. A Evolução
«A Matéria da Bretanha, isto
é, o conjunto de romances compostos à volta da figura lendária do rei Artur e
dos Cavaleiros da Mesa-Redonda, toma forma literária nos fins do século XII com
a actividade poética de Chrétien de Troyes. Antes disso, porém, ela já
se havia espalhado pela Europa devido à acção de bardos itinerantes de maneira
tal que em 1170 um certo Alanus
era 'levado a exclamar:
- [Haverá] lugar onde a fama célere não tenha levado e tornado conhecido o nome de Artur, o Bretão, mesmo nos mais distantes confins do Império da Cristandade? [Haverá] quem não fale de Artur, o Bretão, uma vez que ele é mais conhecido entre os povos da Ásia menor que entre os Britanni?
A expressão Matéria da Bretanha
como designativo das tradições arturianas foi cunhada pelo poeta Jean Bodel
na sua Chanson des Saxons, poema
escrito nos meados do século XIII.
Pondo de lado as referências mais antigas, e que por isso mesmo não
oferecem quase nenhum esclarecimento, a mais importante alusão ao rei Artur
encontra-se numa passagem da Historia
Britonum composta por Nennius por volta do ano 800 a. C.. Aí somos
informados que Artur aliou-se aos reis dos Bretões para dar combate aos Saxões
vencendo-os em doze batalhas. Dá-se ênfase à posição de líder assumida por
Artur em relação aos reis bretões, mas não há nenhuma palavra indicando que ele
também fosse rei. A expressão usada para 'designá-lo é dux bellorum. Há também a
tentativa de fazê-lo desempenhar o papel de grande líder cristão quando o autor
afirma que por ocasião da oitava batalha no Castellum
Guinnion Artur leva sobre os ombros a imagem da Virgem Maria (esta
referência à Virgem é provavelmente uma interpolação do século IX ou X, uma vez
que na época da composição da História o culto a Maria ainda não havia
adquirido sua importância transcendental). A batalha mais famosa foi a de Mount
Badon durante a qual Artur consegue matar 960 saxões num único ataque.
O escritor mais importante a tratar do rei Artur a seguir é o
anglo-normando Geoffrey of Monmouth, em português Galfredo ou Godofredo,
morto em 1155, cuja Historia Regum Britanniae, colecção de
lendas e invenções fraudulentas que o autor afirma verdadeiras e que diz ter
encontrado num livro antigo em língua bretã, fornece o esquema mitológico
básico para a difusão das fantásticas aventuras do ciclo arturiano. Já em 1134 Geoffrey havia composto uma série de
profecias em que visualizava uma gloriosa carreira de conquistas para o rei
Artur:
- O Urso da Cornualha virá trazer socorro [aos Bretões] e espezinhará sob seus pés os pescoços [dos Saxões]. As ilhas do oceano serão reduzidas ao seu poder, e ele possuirá as florestas da Gália. A casa de Rómulo temerá sua ferocidade, e seu fim ficará sempre em dúvida [i.e. não haverá certeza com relação a sua morte]. Ele será cantado pelos povos e seus feitos serão o alimento dos continuadores de história.
Quando em 1136 Geoffrey
termina e publica a Historia, as
profecias foram acrescentadas como a sétima parte do livro, com o título Prophetia Merlini. Geoffrey compôs
também um poema a que deu o nome de Vita
Merlini, e onde, pela primeira vez, se fala de Avalon, a Ilha das Maçãs, local para onde Artur é
conduzido depois da batalha de Camlan a fim de ser tratado pela fada
Morgana (Morgain)»
In Almir Campos Bruneti, A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do
Pensamento Português, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.
Cortesia de SEC/JDACT