«(…) Em tão efervescente ambiente era difícil produzir-se a obra útil,
construtiva, de que o país tanto carecia para o seu desenvolvimento. Aliás, é
duvidoso que, mesmo operando numa atmosfera social pacífica, o depravado Valois
tivesse conseguido governar com felicidade, dados os cuidados absorventes que
lhe merecia a sua corte de favoritos jovens, que a História apelidou de Mignons e com os quais passava o melhor
do seu tempo, descurando os negócios do Estado. No entanto, tornava-se absolutamente
necessário que os ânimos serenassem, para que a nação pudesse trabalhar em paz.
Os mais atentos observadores reconheciam a dificuldade, quase impossibilidade,
de humanamente se levar a termo tão gigantesca tarefa, sem o derramamento de
muito sangue.
Eles compreendiam que a religião não podia entrar à força nos
espíritos; antes devia ser pela persuasão e pelos bons exemplos, por uma propaganda
eficaz, em suma, que ela deveria divulgar-se, conquistar novos adeptos. As
antigas Cruzadas, exceptuada a acção puramente punitiva, jamais deram outro
resultado que não fosse o fortalecimento da fé do inimigo da Cristandade. Mas é
de acreditar que ao próprio soberano não repugnasse empregar a força contra os
súbditos, visto a participação activa que no reinado precedente ele tivera na
matança de S. Bartolomeu. Henrique de Valois, vendo o desenvolvimento que
a Liga tomava e que punha em perigo a coroa que lhe cingia a fronte, efectua,
então, o seu audaz golpe político durante os Estados de Blois, em 1576, ao declarar-se inesperadamente
chefe único da já forte organização. Seguia o conselho da mãe, sagaz e fanática,
e que de forma alguma queria perder o poder.
Com tal medida, a que não se pode negar o título de inteligente,
pretendia anular os esforços de Guise para o destronar ou obrigá-lo a
manifestar-se nos seus verdadeiros intentos. Henrique de Guise viu-se
logrado, momentaneamente batido aparentemente acatou a resolução do soberano.
Ele também era astucioso, e tinha a virtude de saber esperar a sua oportunidade.
A contra-acção, realmente, não se fez tardar, pois, sob a influência da Liga,
foram os mesmos Estados de Blois que obrigaram o rei a concretizar as
suas boas vontades e a sua chefia, impondo-lhe, pelo édito de Nemours, o
recomeço da guerra contra os Huguenotes. Ao mesmo tempo arranca a Sisto
V uma bula de excomunhão contra os Bourbons e lança-se activamente
na guerra civil.
Henrique III, colhido na própria rede que habilidosamente havia
lançado, não tem outra solução senão a de enveredar por tal caminho, que lhe
desagradava. O duque de Guise não perdera o seu trunfo… E, corno desejava o
campo livre dos adversários que lhe faziam sombra, teve de se bater ao mesmo tempo
com os homens do duque de Alençon, por um lado, e com os de Henrique de
Navarra, por outro, precisamente os dois primeiros obstáculos à sua ascensão ao
trono: o duque de Alençon, por ser irmão do rei, e o Navarra, que em 1570
casara com a irmã do soberano, Margarida de Valois, ambos, portanto,
presumíveis herdeiros da coroa. As escaramuças, travadas com triunfo
favorável ora a um lado ora a outro, continuaram durante algum tempo, até que
os contendores acordaram em novo tratado de paz, o de Nevac, em 1580».
In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria
Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
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