As Cortes reduzidas ao silêncio e à inoperância
«(…) Durante a sua ausência, tinham-se desenrolado os episódios em que,
só por ingenuidade e falta de iniciativa dos represrentantes do povo, os
Governadores suspeitos não foram substituídos por gente íntegra. A causa
nacional tropeçava em constantes obstáculos, uns levantadors na sombra pelo suborno
e pela corrupção estrangeira, outros pela inexperiência política das classes
populares, reduzidas pelo Absolutismo e pelo domínio da Inquisição (maldita) na
vida social, que tolhera e intimidara as últimas gerações, ao papel quase passivo
de suportar resignadamente todas as imposições da alta nobreza e do alto clero.
Apesar de ter desagradado muito a resposta dos regentes às advertências do
braço popular, não teve este energia para reagir, derrubando-os. Entretanto, o
embaixador Cristóvão de Moura, o infatigável português renegado ao serviço de
Filipre II, conseguira abrir brecha na unidade dos procuradores dos concelhos,
criando um ranchinho de delegados, guiados pelo Manuel Sousa Pacheco. Não
tinham coragem de declarar-se abertamente em favor do rei católico, mas, sob a
máscara da prudência, da ponderação, intervinham habilmente de forma a moderar
os ímpetos dos nacionalistas mais exaltados. A adesão de Sousa Pacheco,
procurador de Lisboa, homem muito conceituado de quem não se suspeitava, não
foi muito cara, na opinião de Cristóvão Moura, que comunica o facto a seu régio
amo, na sua carta de 13 de Fevereiro de 1580: Pede três quintos de renda, incluindo uma vila, e não é muito.
Estes torpes negócios nealizavam-se em grande segredo, porque a maioria
dos delegados populares resistiu galhardamente a todas as tentativas de
suborno. Por isso, o braço do trabalho se tornava cada vez mais incomodativo e
embaraçoso para os governadores vendidos, que o consideravam imprertinente, o
que os levou a pensar seriamente em dissolver as Cortes. Convinha-lhes
dispersar aquela gente, porém, com subtileza, para não provocar irritações
perigosas, porque os procuradores mais exaltados declaravarn a sua intenção de
permanecerem em Santarém até se decidir a questão da sucessão. Tão-pouco
convinha aos dois pretendentes portugueses que as Cortes se encerrassem antes
de elegerem o sucessor ao trono. Ambos, o duque de Bragança e o Prior do Crato,
alimentavam esperarrças de serem escolhidos. Aquele, porque sua mulher, a
infanta D. Catarina, era a legítima herdeira da Coroa; este, porqure contava
com as simpatias populares, mais do que com uma decisão jurídica em seu favor.
Mas se os três Estados reunidos nas Cortes se dispersassem, ambos receavam que
os governadores, cedendo à pressão dos diplomatas castelhanos, com o pretexto
de evitarem uma guerra desastrosa, proclamassem Filipe II rei de Portugal.
Usaram os governadores de toda a sua habilidade para dissolver as
Cortes, pois não queriam irritar o terceiro Estado, que não cessava de os maçar
com frequentes lembranças e
advertências que lhes convinha ignorar. Contudo, havia quem de boa-fé defendesse
a teoria de que aquelas Cortes, convocadas pelo cardeal Henrique, deviam
consideriar-se automaticamente encerradas com a morte do rei. Era esta a
opinião do Conselho do Estado e de alguns letrados, que os regentes consultaram.
A maioria dos procuradores, porém, entendia que as Cortes só deviam fechar,
depois de escolherem o sucessor do último rei, visto que para isso se haviam
convocado expressamente. Tinharn razão; e a morte do cardeal-monarca ainda mais
reforçava a necessidade de continuarem funcionando até essa escolha se
realizar.
Claro que defendiam a ideia da dissolução imediata o bispo de Leiria
e Manuel Sousa Pacheco, ambos secretamente
atascados na lama dourada do suborno. Trocaram-se sobre o assunto
mensagens entre os três Estados. Não se chegava a uma conclusão ou acordo. Os
traidores ocultos, fomentando a confusão e a discórdia, favoreciam Castela. E
os governadores espreitavam as oportunidades para levarem mansamente a água ao
seu moinho. Em princípios de Março, resolveram sondar a consistência da
oposição, enviando uma circular aos três braços de Estado, a comunicar-lhes que
tencionavam dissolver as Cortes. Queriam observar a reacção que se produziria.
No alto clero só duas vozes discordantes se ergueram: a de Teodósio de Bragança,
arcebispo de Évora, que defendia evidentemente a sua parente, duquesa de
Bragança, pretensora do trono, e o novo bispo de Miranda, Jerónimo Meneses,
irmão de João Telo Meneses, o único governador francamente hostil a Filipe II.
Os restantes delegados do alto clero, o sentir do baixo clero era diametralmente
oposto, estavam secreta e decididamente voltados para o poderoso monarca vizinho.
A nobreza, embora mostrasse descontentamento, aceitou a dissolução. Apenas as
classes populares teimavam em não se dispersar, enquanto não votassem,
aprovando ou rejeitando, o convénio ajustado entre o cardeal-rei Henrique e
Filipe II, visto que para isso tinham sido convocadas.
É curioso notar, porém, que, mesmo entre os mais obstinados na opinião
de que as Cortes prosseguissem, havia muitos procuradores ansiosos por voltarem
às suas terras distantes. Eram pessoas de trabalho, algumas delas ligadas à
lavoura, ao comércio ou às pequenas indústrias locais, que sofriam prejuízos e
atrasos, enquanto rendeiros, mestres ou proprietários permaneciam ausentes.
Feita a primeira sondagem, decidem-se os governadores a publicar, em 15 de
Março de 1580, uma provisão,
dissolvendo as Cortes. Para suavizar o golpe, usaram então de uma
habilidadezinha que surtiu efeito: segundo a carta-circular que enviaram às câmaras
municipais, ficariam em Santarém alguns procuradores para lembrarem e requererem o que lhes parecer que convém e lhes
podermos comunicar as coisas que se oferecem». In Mário Domingues, O Prior do
Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa,
1965.
Cortesia de Romano Torres/JDACT