sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «… foi a função de Elvira como restauradora de antigos mosteiros do Bierzo, região muito vinculada a ‘Jimena Muñiz’, mãe de “Teresa de Portugal”, e que pertenciam ao património familiar de Elvira…»

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As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Da rainha Creusa de Braga davam conta breves textos escritos pelo monge Dulcídio. Informações que Teresa deve ter conhecido na versão que deles faria o bispo Sampiro, Por volta do ano 1000. Crónica guardada como ouro em pano no palácio real de Leão, no qual ela habitaria a partir dos sete anos. É provável que estes conhecimentos tivessem sido alargados com outras fontes, como as genealogias reais transmitidas pelas crónicas, os relatos das mulheres que a rodeavam, e sobretudo o pormenorizado registo que os mosteiros medievais tinham dos seus fundadores (às vezes até à oitava geração), essenciais para resolver conflitos sobre títulos de propriedade entre os seus descendentes, na hora de fazer a divisão de bens ou colmelum. Tudo isso permitiria a Teresa tomar consciência de que descendia de uma antiga estirpe de mulheres portucalenses rainhas de Leão, o reino cristão mais importante da Península Ibérica que tinha sucedido ao das Astúrias.
O seu último monarca tinha ocupado e repovoado a região a sul do Minho, e incorporado definitivamente no reino das Astúrias as cidades de Braga e Porto. Esta zona entre o Minho e o Douro seria com o tempo o solar originário do condado, mais tarde, reino independente, de Portugal. Antes de morrer o último monarca asturiano, os limites chegariam a Coimbra. Depois, os três filhos repartiram entre si o reino e intitularam-se reis, respectivamente de Leão, Galiza e Astúrias, mas reconhecendo a proeminência do trono do primeiro. Ao segundo filho, Ordoño, coube o reino da Galiza, cujo território compreendia então, aproximadamente, a região espanhola actualmente com esse nome e a parte de Portugal até ao Mondego.
Por volta de 896, Ordoño casou com Elvira Mendes, filha do conde Hermenegildo Guterres, conquistador e repovoador de Coimbra em 871. Desse casal descenderia, por parte do pai, Teresa de Portugal, sete gerações depois. Elvira foi, pois, trisavó da sua bisavó. O pai de Elvira era o nobre mais poderoso a sul do Minho naqueles tempos. É provável que, por esse motivo, Elvira acabasse por se tornar esposa de Ordoño, para o que certamente contribuiu também o facto de estar directamente aparentada com a casa real. A sua mãe, Ermesinda, era filha do conde Gatón, repovoador do Bierzo. Segundo uma antiquíssima tradição, esse conde descendia de Mauregato e Creusa de Braga.
Por volta de 908, depois de uma campanha pelo Algarve, Ordoño regressou a Viseu, sede privilegiada do reino, com uma grande quantidade de prisioneiros e ricos despojos de guerra. Pouco tempo depois adoeceu. Algumas fontes falam de lepra, embora talvez se tratasse de gota. Elvira, que já então tinha quatro filhos, três varões e uma mulher, que tinham sobrevivido aos seus muitos partos, nunca mais voltaria a ficar grávida. Contrariamente ao que se costuma pensar, na altura o nascimento de filhas não era visto de forma negativa, dado que tanto na realeza como na nobreza ainda não estava assente completamente o princípio da linhagem. As formações nobiliárias eram mais clãs de grupos de pais e filhos, de irmãos e irmãs, como base para o estabelecimento de alianças e para a circulação de bens. Não se vê ainda o chefe da casa que decide solitariamente e organiza a sucessão com base na entrega ao filho primogénito; as decisões testamentárias, tomadas no leito de morte e em presença do arcebispo confessor, são expressamente autorizadas pela esposa e pelos filhos, também presentes [...] claro testemunho da distribuição equilibrada entre filhos e filhas dos bens do grupo, integrados indistintamente pelos da esposa e pelos do esposo.
Daí que se ganhasse mais casando as mulheres, que geralmente incorporavam o património dos maridos ao seu próprio clã, do que os varões. Daí muitos filhos nunca casarem. E de abundarem os bastardos, fruto das suas uniões com pessoas de estratos inferiores. Ou que não fosse raro o adultério cometido por um solteiro com uma mulher casada, e isso apesar de se tratar de um dos pecados mais graves. As mulheres que o cometiam, em princípio podiam perder a sua condição de pessoas livres e ser rebaixadas à categoria dos servos da gleba. Os condes, que então tinham funções judiciais, costumavam comutar essa pena a troco da entrega de uma parte do património da pecadora. Vinhas, casas e extensas herdades passavam assim para as suas mãos. Esse seria um dos principais modos de enriquecimento da nobreza peninsular até ao ano 1000.  Dentro da realeza, o adultério feminino, o único que era considerado como tal, pagava-se com a morte. Assim o estabelecia o direito visigodo. E quando uma rainha ficava viúva devia entrar para um convento. Procurava-se assim proteger os filhos de ambiciosos meios-irmãos. Com o decurso do tempo essa disposição viria a ser cada vez menos aplicada.
Em 914, Elvira Mendes deixou as terras viseenses para se instalar em Leão. O sogro tinha morrido e o marido passou de rei da Galiza a soberano leonês, onde reinaria como Ordoño II (914-924). O infante Ramiro, segundo filho do casal real, permaneceria em Viseu, cidade na qual possivelmente tinha nascido. Na capital, a primeira rainha de Leão de estirpe portucalense habitaria num edifício que em grande parte era de adobe. Não é possível saber se até então tinha vivido numa construção especial, mas a preferência que a família real leonesa teria sempre pelo seu palácio de Viseu leva a pensar que tinha vantagens sobre os outros. Fosse como fosse, no futuro Teresa de Portugal demonstraria sentir atracção por aquele local.
A rainha Elvira foi uma apaixonada pela religião. Uma crónica conta o deleite com que recebeu, em 919, Rosendo, um sobrinho por parte do pai, nascido em Santo Tirso, perto do Porto, de quem já todos diziam maravilhas pelo seu bom carácter e a sua vocação para o estudo. O rapaz faria carreira na Igreja e chegaria a ser proclamado santo. Não menos importante foi a função de Elvira como restauradora de antigos mosteiros do Bierzo, região muito vinculada a Jimena Muñiz, mãe de Teresa de Portugal, e que pertenciam ao património familiar de Elvira através do seu avô materno, o conde Gatón».

In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT