Todos os Nomes. A génese da grande fronteira
(…) A conquista muçulmana do vale do Ebro inicia-se em 714. Todas as mais importantes civitates (correspondentes às actuais
cidades de Saragoça, Huesca, Lérida, Tarragona, Barcelona e Gerona) são
sucessivamente ocupadas por guarnições das forças invasoras e as férteis
margens do grande rio não demoram a atrair uma forte migração colonizadora de
árabes e berberes. Subsequentes campanhas dos primeiros governadores, al-Hutr e
al-Samh, avançam na conquista da Septimânia, com pronta ocupação de
Carcassonne, Narbona e Nîmes. No verão de 721
o próprio al-Samh marcha ainda sobre Toulouse, onde acabaria vencido e morto
pelo duque Eudes da Aquitânia. Ocupada Pamplona, a ameaça da expansão islâmica
evidencia-se também a norte dos Pirenéus atlânticos. O saque de Bordéus, em 730, e o pedido de auxílio do mesmo
duque da Aquitânia, agora derrotado, motivariam aquela decisiva intervenção do
exército franco, comandado por Carlos Martel, que alcança a tão celebrada vitória,
junto a Poitiers, nos finais de Outubro de 732.
Nas décadas seguintes desvanece-se o ímpeto expansionista do islão. Mais
do que aquela sofrida derrota, pesaram, talvez, as naturais dificuldades desse
domínio imenso, politicamente centralizado na muito longínqua cidade de
Damasco. Divisões étnicas e políticas marcam toda uma série de graves conflitos
internos no Al-Andaluz. A chegada do príncipe Abd al-Rúman, fundador do novo
emirado omíada de Córdova, independente agora dos califas abássidas
de Bagdad, prenuncia também uma verdadeira guerra civil. Pelo contrário, a
recomposição da monarquia franca pelos primeiros carolíngios conduz a um
Império que, na viragem do século, hegemoniza praticamente todo o Ocidente.
Pepino, o Breve (751-768),
reconquista, Narbona em 759 e pouco depois, antes de terminar
este reinado, as três províncias do Sul, a
Aquitânia, a Septimânia, posteriormente chamada também Gothia, e a Provença,
estavam totalmente anexadas ao reino dos Francos. Observada pelo lado vencedor
a posterior batalha dos Pirenéus desenvolve-se entre dois grandes momentos,
prosseguindo uma bem delineada estratégia. Um primeiro momento de grande
insucesso, de que se soube retirar lições. A paciente consecução de uma
política que garante uma clara superioridade, mantendo sempre a iniciativa táctica
e estratégica, em contínuo enfraquecimento do campo adversário. E a decisão que
desfere o ataque, no momento último, quando esse inimigo, na zona territorial
visada, se encontra quase exaurido e sem verdadeira capacidade de resistência.
Já vitorioso rei dos Francos e dos Lombardos, Carlos Magno (768-814)
acolhe a petição de ajuda do governador muçulmano de Saraqusta, em planeada
rebelião contra o emir de Córdova, e marcha confiante, no ano de 778, para aquela que seria, sem dúvida,
a mais desastrosa de todas as suas expedições. Contrariando todas as expectativas,
a capital do Ebro fecha-se em inquebrantável
resistência e, na retirada por Roncesvalles, após arrasar os sistemas
defensivos de Pamplona, os contingentes da rectaguarda desse exército são
completamente dizimados pelos indomáveis guerreiros vasco-gascões (episódio que seria imortalizado, em finais do
século XI, na composição da Chanson
de Roland). Esta dramática experiência de Carlos Magno pesou
certamente na decisão de criar o reino da Aquitânia, subordinando o duque, condes
e demais senhores ao seu primogénito Luís, o
Piedoso, que pouco depois assume também o governo da Septimânia.
Desenvolve-se então uma muito eficaz política que, além de garantir o
pleno controlo dos vários portos e passagens dos Pirenéus, incentiva ainda as
frequentes revoltas das populações hispânicas. Por volta do ano 785, tais revoltas, apoiadas no poderio
dos Francos, haviam viabilizado já significativas ocupações territoriais em
Urgel, Cerdanya e Gerona. Mesmo o governador muçulmano de Barcelona, no contexto
das habituais quezílias políticas contra Córdova, em 797, terá chegado a sugerir a possibilidade de se acolher à
suserania do rei da Aquitânia. Em Pamplona regista-se igualmente uma rebelião,
no ano de 799, que elimina a
guarnição muçulmana.
Nestas tão amadurecidas circunstâncias, lança-se finalmente a campanha de
que resultaria a definitiva conquista das regiões montanhosas de Ausona e de
Cardona, em 798, e de Barcelona, em 801. Passado uma década, são decretadas
tréguas e fazem-se negociações de paz. No ano 812, os representantes do emir de Córdova, seguramente preocupados
com a salvaguarda das riquezas do Ebro,
celebram um acordo tácito com os Carolíngios, reconhecendo-lhes essas
conquistas e as suas zonas de influência: nos
vales dos Pirenéus catalães, Gerona e Barcelona, Ribagorza e parte de Sobrarbe,
governados agora, junto com Pallars, pela casa condal de Toulouse, Aragão, sob
o governo do conde autóctone Aznar Galindes, e ainda Pamplona.
In Nuno Pizarro Dias, Dona Dulce de Barcelona ([1153-1159]-1198), As
Primeiras Rainhas, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4703-8.
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