segunda-feira, 29 de julho de 2013

Há dias assim… A Luta pela Liberdade. Viriato. Maurício Pastor Muñoz. «Em linhas gerais, a ‘guerra de guerrilha’ é a guerra ibérica ou hispânica levada a cabo pelas tribos da Meseta ou do litoral. O seu objectivo político-militar era a independência da sua pátria em relação a ... Roma»

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Estratégia
«(…) Relativamente à estratégia de combate que adoptou, podemos dizer que Viriato foi o representante típico (e o mais representante da antiguidade) da guerra de guerrilha, ou seja, da táctica militar que convinha aos habitantes da Península Ibérica e que foi usada com muito sucesso no seu território. Os romanos chamavam a este tipo de guerra bellum, e também latrocinium, para sublinhar que não era uma guerra organizada, ou seja, desprezava e violava as regras da guerra convencional, e que era protagonizada por latrones, ou seja, bandidos ou bandoleiros. No entanto, de acordo com a tradição que nos chegou através de Lívio, as lutas contra Viriato são exclusivamente designadas por bellum. E Roma talvez se lhes referisse da mesma maneira, mas não há certezas a este respeito.
Em linhas gerais, a guerra de guerrilha é a guerra ibérica ou hispânica levada a cabo pelas tribos da Meseta ou do litoral. Mas graças a Viriato esta forma de luta, que até aí fora usada unicamente como táctica defensiva, torna-se numa arma terrível que paralisa e destrói os exércitos romanos, uns atrás dos outros. E é, precisamente, este novo uso da táctica de guerrilha, caracterizado por um arrojado espírito de ofensiva, que Schulten identifica como aquilo que distingue a guerra de Viriato de outras guerras populares. Até, aí, a guerra de guerrilha era uma estratégia defensiva, como foi o caso da guerra celtibérica de Numância. Pelo contrário, a característica essencial da estratégia de Viriato era o ataque. O seu objectivo político-militar era a independência da sua pátria em relação a Roma, a expansão da sua influência e poder às ricas comarcas meridionais (Betúria, Carpetânia e Bética) e a garantia de que esses factos seriam reconhecidos por Roma. Viriato levou a guerra para território romano, e, segundo Apiano, foi aí que foi investido chefe militar, ou caudilho, das tropas lusitanas. Na prática, o seu desígnio era a ofensiva estratégica. Na verdade, nunca conseguiu que a posse do território conquistado fosse duradoura, mas o aumento dos bens materiais através dos saques era o suficiente e já o satisfazia.
Para uma ocupação definitiva precisava de homens, de meios materiais e, sobretudo, de uma capacidade organizativa e administrativa de que não dispunha. Quando falamos da sua estratégia, há que sublinhar que se tratava de uma estratégia de desgaste, de uma estratégia dilatória, que, em certos casos podia igualmente conduzir a investidas tácticas letais. A táctica militar usada por Viriato variava de acordo com as circunstâncias. Umas vezes tinha como objectivo cansar o adversário, o que conseguia provocando o nervosismo ao impedir que se reabastecesse, outras vezes eliminava-o pela surpresa da emboscada ou de uma fuga aparente. Só muito excepcionalmente combatia com o exército em formação. Isto explica-se, por um lado, porque as suas tropas eram menos numerosas, pela inferioridade das armas dos seus soldados em relação às dos legionários romanos, e porque algumas das armas dos lusitanos eram fornecidas pelos próprios romanos sendo, com certeza, de fraca qualidade. A grande mobilidade que caracterizava as tropas lusitanas possibilitava o tipo de combate que lhes era mais vantajoso: o combate disperso em que resultavam em cheio os ataques de surpresa, seguidos de fuga rápida e de um contra-ataque repentino. Por isso, as armas de arremesso eram mais importantes do que a espada. Ora, precisamente, Viriato era muito hábil a manejar a lança de arremesso.
Por outro lado, o objectivo último de Viriato não era a conquista permanente do país inimigo, mas o saque sistemático do território. Logo, a rapidez e a surpresa eram essenciais neste tipo de gurra. Viriato desorientava e aniquilava os romanos através do ataque disperso levado a cabo tanto por soldados de infantaria como de cavalaria. Os romanos chamavam a esta técnica concursare, o temível concursare ibérico, o constante atacar, retirar e contra- atacar a que tantas vezes se referem os historiadores romanos. Este tipo de ataque também foi usado por outros povos, como os berberes africanos ou os partos, que partilhavam a mesma arte bélica, e até mesmo pelos próprios romanos, como sucedeu na guerra dos pompeianos contra César.


Uma das tácticas mais usadas por Viriato era a emboscada, em que rapidez e surpresa se aliam para atacar e derrotar o inimigo. Normalmente, armavam-se emboscadas em desfiladeiros que obrigavam os soldados romanos a marchar numa longa e estreita fila, sendo, portanto, um magnífico alvo para os atacantes. Viriato era mestre na arte de atair o inimigo para a emboscada, tão depressa fugindo como atacando. Com as emboscadas destrói o inimigo com toda a segurança: a falsa retirada induz o inimigo a persegui-lo precipitada e desordenadamente, e nessa altura rapidamente se volta contra ele e passa ao ataque, provocando ainda maior desordem nas tropas inimigas.
As caravanas de abastecimento e os soldados forrageadores eram particularmente vulneráveis aos ataques de Viriato. Os últimos por terem de se dispersar por amplas regiões para conseguirem pasto suficiente para os animais, e aquelas por terem de percorrer caminhos conhecidos sendo, portanto, fáceis de localizar e atacar. Quando Viriato queria despistar o inimigo recorria à seguinte táctica:
  • escolhia um pequeno grupo de soldados e atacava inesperadamente, permitindo assim que o grosso do seu exército tivesse tempo para fugir e para se esconder. Se, por outro lado, queria livrar o seu exército de um ataque desvantajoso, dispersava-o em pequenos grupos para depois voltar a reuni-lo em local combinado. Sertório também usou estas estratégias na sua luta contra Roma. Viriato não costumava ficar muito tempo no mesmo sítio, pois a sua estratégia era essencialmente movimento, mas nalgumas ocasiões ocupava uma fortaleza, uma cidade ou um monte, a partir dos quais se lançava ao ataque juntamente com as suas tropas, como fez na cidade de Tucci (Martos) ou no Mons Venerís (Monte de Vénus).
In Maurício Pastor Muñoz, Viriato La Lucha por La Liberdad, Viriato, A Luta pela Liberdade, Alderabán, Ediciones,SL, 2000, Ésquilo, Lisboa, 2003, ISBN 972-8605-23-4.

Cortesia de Ésquilo/JDACT