«Braços cruzados, fita além do mar, parece em promontório uma alta
serra, o limite da terra a dominar o mar que possa haver além da terra. In
Fernando Pessoa, ‘Mensagem’
O Príncipe João. Educação e Ambiente. A Corte
«(…) Nesta dinâmica podemos sintetizar a personalidade como resultante
da interligação entre a herança genética e a história da experiência de cada
ser. Por isso, para que os comportamentos dos indivíduos possam ser
compreendidos, torna-se indispensável o conhecimento da história de cada um dos
seus antecedentes mais remotos. É nesta perspectiva que nos parece
indispensável uma incursão rápida na pré-história
do filho de D. Isabel e de Afonso V, para podermos penetrar e tentar entender o
comportamcnto posterior deste príncipe.
Muito pouco se sabe da infância do príncipe. Terceiro filho do rei Afonso
V e da rainha D. Isabel, esta circunstância não o relegaria para um segundo
plano, mas antes fez dele um filho desejado e ansiosamente esperado pelos pais
e pelo Reino em geral. Rui de Pina explicou porquê:
- A rainha D. Isabel ao tempo destas festas [trata-se das festas que se fizeram por ocasião do casamento de dona Leonor, irmã de Afonso V, com o Imperador da Alemanha, Frederico. Deste casamento nasceria Maximiliano, com quem João II viria a ter estreitas relações] era prenhe da prymeira vez, e pario em Syntra um Fylho, que ouve nome o Pryncepe Dom Joam, e em menino logo falleceo, e despois pario logo a Ifanta Dona Joana, que sempre se chamou Pryncesa, atée o ano que vinha de mil e quatrocentos e cinquenta e cinco, em que o Pryncepe Dom Joam naceu...
O príncipe era, portanto, esperado com ansiedade na perspectiva de assegurar
a sucessão que estava garantida na princesa, mas que a qualquer momento, com a
sua morte ou afastamento podia correr perigo.
NOTA: Os problemas de sucessão sempre foram potenciais
geradores de conflitos; Por isso o reino desejava sempre que o seu rei tivesse
muitos filhos, o que garantiria uma transmissão pacífica de poder. A existência
de um único herdeiro era sempre contingente. Certamente pór isso, após a morte
do rei Duarte, e sendo Afonso V muito pequeno, se jurou seu tio Fernando.
Durante a primeira dinastia sempre se praticou em Portugal, à semelhança do que
acontecia em Castela, a sucessão por hereditariedade. À excepção de Sancho II,
a quem sucedeu o irmão, em todos os outros casos a sucessão fez-se dando
preferência ao filho varão; embora o direito não registasse oposição a que a
sucrssão fosse feita por via feminina, a verdade é que só não havendo nenhum
filho varão, esta linha entraria. O início da segunda dinastia foi marcado pela
eleição de um rei, pois declarada vaga a
coroa, por não haver ninguem que de direito podesse e devesse herdá-la, os três
estados reunidos nas côrtes de Coimbra de 1385, exerceram a soberania elegendo
rei a João mestre de Aviz... Só com João II o problema da sucessão se
voltou a pôr, mas por morte do seu único filho legítimo, o príncipe Afonso. No
testamento, o rei deixou nomeado para seu sucessor a Manuel, duque de Beja.
E não foi pouco o tempo de espera, já que o primeiro casamento [referimo-nos
ao primeiro casamento, pois que, embora em situação complexa, este monarca
voltou a casar, na sequência da morte de Henrique IV de Castela e de acordo com
a promessa feita a este monarca. A noiva foi D. Joana, sua sobrinha, filha do mesmo
Henrique IV. O casamento realizou-se em Plasência onde despois de feita pubrycamente a solenidade dos esposoiros, como em tal
caso compria, logo com cirimonias de trombetas e reys d'armas em altas vozes
foram pellos Senhores que eram presentes, e com outros muytos com suas
procurações, allevantados e jurados por reis de Castella... Conforme também
Damião de Góis, … depois delrei dom
Afonso ser em Plasença, logo pelos senhores que presentes erão, e com seu
pareçer, se hordenou o dia dos desposouros (...) Ho que feito, logo no mesmo lugar
foi ha Rainha jurada de todolos que presentes erão, e doutros per seus procuradores,
e dali por diante se chamaram, e intitularam Reis de Castella, de Leão, e Portugal,
e por taes lhes beijaram has mãos»
In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas
Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial
Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.
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