Da Moral religiosa entre os Gregos. Mitologia
«(…) Neste caso, quanto a nós, se achou a Grécia; e igual processo
houve de dar-se com a marcha da sua civilização. Porque as leis imutáveis que
ontem determinaram um certo movimento sempre se repetem; alteram-se
exteriormente os fenómenos que produzem, segundo as circunstâncias a que a lei
se aplica, mas ela em si não pode afastar-se da sua precisão lógica. Ora parece
fora de dúvida que a eliminação sucessiva e sempre crescente das diferenças, a
que chamaremos provinciais, dentro do todo de uma nação, ´+e uma lei. O movimento
inteiro de um povo tende para se aproximar de um tipo sintético, que, afinal,
se impõe e absorve em si os diferentes tipos anteriores, na medida que o
consentem os elementos climatológicos, geográficos, combinando-se com a
evolução superior da consciência.
Analogamente ao que sucede na biologia, também parece que na formação
dessa síntese histórica se dá uma como que selecção natural; entre os vários
tipos de uma nacionalidade, há um que, em virtude de condições peculiares, se
sobrepõe aos outros e como que os domina, concorrendo superiormente para a
formação do tipo sintético. A plasticidade de um certo carácter e a adaptação
especial `s condições que a história propõe, eis o que os exemplos do tempo nos
indicam como sendo as qualidades mais especialmente próprias, para que um tipo
provincial acentue mais pronunciadamente o tipo geral nacional.
Eis aqui, quanto a nós, a maneira por que se deve encarar-se a
importância das diferenças que se observam entre os caracteres dórico e jónio,
aqueles entre quem unicamente podia dar-se a concorrência, e entre quem a
selecção natural tinha de escolher. A miúdo sucede também não ser o povo mais
nobremente ilustre, mais fortemente dotado, mais rico, mais belo, mais recto, aquele
que vence ao struggle for life da civilização; parece, ao contrário, que
estas qualidades são elementos necessários de derrota; e compreende-se que o
sejam, quando observamos que o ideal e uma pura concepção do espírito,
irrealizável na natureza. Os povos fortemente idealistas são os heróis, mas,
como todos os heróis, são também os mártires.
A sua palavra profética ouve-se ao longe na História, mas como
relâmpagos que voam depois de iluminar o espaço. A maleabilidade, uma certa
fraqueza moral relativa, o scepticismo, o espírito prático são as melhores
armas para vencer na luta da vida. Isto explica como o génio dórico
verdadeiramente profético, teve de emudecer perante a maior plasticidade,
perante o scepticismo e o temperamento mais naturalista do ateniense, que a
partir do IV século pode dizer-se resumir em si o tipo sintético do grego.
Primitivamente, porém, e depois de feitas estas observações, devemos
aceitar a definição que Isócrates dá da Grécia: é um feixe de nacionalidades. Qual
o valor dos seus caracteres morais, e como foi que cada uma delas contribuiu
para a evolução religiosa, que causas determinaram essa evolução, e que
consequências provêm dela, eis o que vamos estudar.
Depois das descobertas da filosofia moderna, modificou-se sensivelmente
a fisionomia que até há pouco a Grécia antiga tinha para nós: um naturalismo
artista que na infantilidade bela das suas criações servia de prólogo ao
subjectivismo cristão. Com efeito, se pretendermos ainda medir o valor das
ideias morais dos gregos, ou pelos mitos naturalistas homéricos, ou pelo seu
pan-helenismo ateniense posterior a Plateias e Salamina, erraremos. O dorismo
prova um estado de subjectivismo religioso, paralelo pelo menos ao naturalismo
Jónio, cuja evolução seguiremos até à filosofia dos eleáticos; e tacteando os
sintomas de constituição de uma filosofia da Natureza em Demócrito e em Epicuro,
e de uma filosofia do espírito em Xenófanes e m Anaxágoras, não nos será
difícil encontrar na história moral da Grécia os elementos da trichotomia, que
é para o espírito colectivo o que as idades são para o indivíduo».
In J. Oliveira Martins, Páginas Desconhecidas, O Golpe
Militar de 19 de Maio de 1870 e a Ditadura de Saldanha, Seara Nova 1948,
Lisboa.
Cortesia de Seara Nova/JDACT