Personalidade
«(…) Assim, Apiano estima que foi chefe militar (caudilho) das
tropas lusitanas durante 8 anos (147-139
a. C.), Justino durante 10 anos, Diodoro durante 11 anosd, Lívio e os seus
comentadores Floro, Orósio e Eutrópio durante 14 anos, Veleio Patérculo durante
20 anos. Esta disparidade decorre do facto de considerarem que se tornou chefe
ou desde o início da guerra (153 a. C.) ou desde o massacre de
Galba (150 a.C.).Mas quer se tenha mantido à frente do exército
durante 8 anos ou durante 20, o certo é que não o teria conseguido se não
possuísse os traços de personalidade que o caracterizavam. A razão fundamental para a sua longa permanência à frente dos lusitanos
é a sua extraordinária personalidade. A sua rapidez de pensamento,
compreensão e acção, assim como a sua capacidade de organização, não se restringiam
à actividade militar, mas afectavam outros aspectos da sua vida, como a justiça
que demonstrava na divisão dos despojos, a simplicidade do seu vestuário, a
sobriedade da sua alimentação, o desprezo pela riqueza e pelo luxo, a sua
atitude perante o perigo e as condições atmosféricas adversas, etc.
Com as obras de Schulten e os estudos recentes sobre as fontes
determinou-se, com absoluta certeza, que foi caudilho, ou seja, chefe
militar, de 147 a 139 a.C., de
modo que a posição de Apiano (que sustentava que o seu comando durara 8 anos)
é confirmada pela investigação moderna. Durante este período, a sua estratégia
será fundamentalmente a mesma. Viriato
soube assegurar o entusiasmo e o apoio dos seus compatriotas graças à sua generosidade,
imparcialidade e equanimidade, qualidades tão elogiadas nas fontes, e que no
fundo não revelam mais do que prudência e conhecimento dos homens, do seu povo.
Por exemplo, só lhe cabia uma parte dos despojos, igual à dos outros, e
imediatamente a distribuía, como prémio, pelos que se haviam distinguido na batalha.
Com hábil diplomacia e rigorosa autodisciplina, conseguiu encontrar o ponto de
equilíbrio entre o exercício da autoridade e a observância da máxima igualdade
exigida pelos seus compatriotas.
Viriato nunca ostentou o seu
poder e, como os outros lusitanos, continuou a usar o seu antigo traje de
pastor. Assim, como disse Dião Cássio, equiparando-se aos mais humildes do seu
povo, era superior a todos. Este autor também refere que possuía a capacidade,
indispensável na guerra, de atenuar as derrotas. Também conseguiu que o seu
povo acreditasse que possuía a arte de prever o futuro, conquistando assim o
respeito e a confiança da sua gente, que era muitíssimo supersticiosa. Viriato era superior ao seu povo em
talento político e sentimento patriótico, pois, ao contrário dos seus
compatriotas, não agia movido por interesses materiais. Segundo Apiano,
encontramos em Viriato a obstinação e o orgulho ibéricos que caracterizavam os
outros ibéricos ou lusitanos, visto que desprezava os celtiberos, aos quais só
pediu auxílio em caso de extrema necessidade. Com a sua morte, comprovou-se a
verdadeira dimensão do seu poder e carisma, pois a chama da liberdade lusitana
que com ele se acendera e inflamara, com ele se apagou.
Algumas histórias sobre o que se passou na sua vida e sobre o que dizia,
recolhidas pelos historiadores antigos, permitem-nos completar o perfil desta
personagem tão singular. O seu discurso era moderado e preciso e usava com
frequência parábolas, alegorias ou exemplos ilustrativos que facilitavam a persuasão
dos rudes povos a quem se dirigia. Em certa ocasião, falando aos cidadãos de
Tucci (Martos), que num dia estavam do seu lado e no outro do lado dos
romanos, referiu o exemplo do homem que tinha duas mulheres, uma velha e outra
jovem: a velha arrancava-lhe os cabelos
pretos e a jovem os brancos, de modo que acabou por ficar completamente calvo.
Acontecer-lhes-ia o mesmo, se não decidissem, de vez, de que lado estavam:
ficariam sem nada. Uns seriam mortos por Viriato, outros pelos romanos. No dia do seu casamento, perguntou
ao seu sogro Astolpas por que é que os romanos lhe tinham permitido ficar com
os tesouros que orgulhosamente exibia no banquete.
Astolpas respondeu-lhe que os romanos os tinham visto muitas vezes mas
que não lhes tinham tocado. Viriato
afirmou, então, que sentia grande admiração pelo rico Astolpas preferir a
perigosa aliança com ele à amizade de Roma e à tranquila posse das suas riquezas,
dando a entender que até para Astolpas era mais valioso um homem como ele do
que todo o ouro e prata do mundo. Este
orgulho ainda mais se evidencia se o imaginarmos encostado à sua lança, no meio
da sumptuosa festa, dizendo que, em última instância, quem tivesse armas é
que seria o dono de todas aquelas riquezas e que o rico Astolpas dependia muito
mais dele que nada tinha, do que ele de Astolpas. Nestas irónicas palavras manifesta-se o feroz orgulho do homem seguro
de si e das suas armas. Pouco depois, Viriato
viu-se obrigado a sacrificar o seu sogro em nome das condições de paz exigidas
pelos romanos e pelo bem do seu povo, à semelhança do que Bruto fez aos seus
filhos. Por ser politicamente necessária, teve de tomar essa terrível decisão,
mas deve ter-lhe sido muito difícil, sobretudo a ele, duro e fero, um filho
genuíno da dura terra ibérica.
Viriato era de uma grande
ingenuidade e majestade natural que rareavam entre os romanos. Por isso, era
também um homem introvertido e solitário. Os lusitanos não só lhe obedeciam,
como o respeitavam e, em geral, eram-lhe absolutamente fiéis, excepto os seus
assassinos, evidentemente, mas esses só confirmam a regra. Ficou provado que
durante o seu comando não houve quaisquer motins ou conflitos que provocassem
crises internas. Compreende-se,
portanto, que um homem como ele não fosse amado somente pelas qualidades
militares e pelas vitórias que obtinha. A influência da sua personalidade devia
ser irresistível.
In Maurício Pastor Muñoz, Viriato La Lucha por La Liberdad, Viriato, A
Luta pela Liberdade, Alderabán, Ediciones,SL, 2000, Ésquilo, Lisboa, 2003, ISBN
972-8605-23-4.
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